sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Oséias, o Profeta do Amor

I – Nome e personalidade – O nome de Oséias, como os de Josué e Jesus, provenientes da mesma raiz hebraica, significa “salvação”, “ajuda” e “libertação”. É provável que  o profeta fosse natural de Israel do Norte, segundo indicam suas freqüentes alusões ao Líbano, Samaria, Betel, Jezreel e Ramá. Diz Ewald que “Em cada declaração parece que Oséias não apenas havia visitado o reino de Efraim como o havia feito Amós, mas conhecia-o do mais profundo do seu coração, segundo todos os seus feitos, propósitos e sortes, com os profundos sentimentos edificados por uma simpatia tal, que é concebível somente no caso de um profeta nativo”. Como um filho do campo, como um rústico, Oseías sacou muitas de suas pequenas e encantadoras figuras do lar, do horto e do rancho, conforme os versos Oséias 4:16; 7:4-8; 8:7; 10:11; 11:4; 13:3,15; 14:7. Aqui se encontram os contrastes com Amós, o qual retrata as áridas montanhas de Judá e o Mar Morto.
         
Oséias é o missionário nacional de Israel do Norte, assim como Jonas o foi do exterior. Ele era manso, pensativo, inclinado à melancolia, mas também franco, afetuoso e cheio de patriotismo.  Ele foi o Jeremias do reino setentrional e, como este, foi pouco menos que um mártir prefigurando a Pessoa de Cristo. Ambos foram ardentes patriotas, possuindo natureza religiosa e altamente sensível. Jeremias foi mais consciente de si mesmo em sua dor. Oséias foi mais delicado e controlado. Jeremias foi mais um teólogo, Oséias foi mais um poeta. Seu livro é uma profecia e ao mesmo tempo também, um dos mais evangélicos. Isso não se deve a nenhuma das predições especiais messiânicas nele contidas, mas ao fato de anunciar com séculos de antecipação “o novo mandamento” dos evangelhos, tendo sido ele o primeiro dos videntes a compreender a verdade de que Deus é amor e de que o pecado maior de Israel foi não ter reconhecido o amor de Deus. Por isso Oséias foi o evangelista João do Velho Testamento.
II – O seu tempo – O título do seu livro diz: “PALAVRA do SENHOR, que foi dirigida a Oséias, filho de Beeri, nos dias de Uzias, Jotão, Acaz, Ezequias, reis de Judá, e nos dias de Jeroboão, filho de Joás, rei de Israel (Oséias 1:1). Por isso Oséias, como Amós, começou a profetizar em tempo de grande prosperidade, tendo deixado de fazê-lo quando a nação lutava contra o poder da anarquia.
         Durante os seus primeiros anos, Jeroboão II era um grande monarca, uma espécie de Luiz XIV de Samaria. Ele encabeçava um despotismo militar arrogante, como um verdadeiro descendente de Jaú. Em seus dias, Israel esteve no ápice da prosperidade militar, mas, ao mesmo tempo, despencava com rapidez na corrupção moral. O II Livro de Reis nos informa que na morte de Jeroboão aconteceram dissensões internas, com políticos rivais sacrificando os interesses  da nação aos seus próprios interesses, com príncipes corruptos tornando-se reis ilegais, com o poder nacional declinando seriamente. “O rei de Samaria será desfeito como a espuma sobre a face da água” (Oséias 10:7). Jeroboão foi, realmente, o último homem forte de Israel. Dos seis reis que o sucederam, somente Menaém morreu de morte natural. “Conspiração” era a chave da história desse período, conforme  a II Reis 15. Zacarias reinou por seis meses, Salum, por um mês apenas. Em seu desespero, primeiro os reis se inclinavam numa direção, em seguida noutra, havendo logo um ou outro que se inclinava pela ajuda estrangeira, pagando tributo alternadamente à Assíria e ao Egito, até perderem definitivamente a independência e a autonomia nacional, esgotando os seus recursos e vendo-se forçados a se tornarem vassalos da Assíria. Quando acabou a sua independência, o declínio veio rápido. Para um patriota como Oséias, era terrível pedir ajuda aos governos estrangeiros (Oséias 8:9 e 10:6). Semelhante política não remediava a enfermidade moral da nação (Oséias 5:13). Inconscientemente, Efraim se tornou prematuramente velho, com “as cãs se espalhando sobre ele”, conforme Oséias 7:9. Todas as classes da sociedade se desmoralizavam. Além disso, os sacerdotes se tornaram bandidos, regozijando-se com os pecados do povo, pois estes lhes aumentavam os rendimentos.
         As coisas iam de mal a pior, até que o profeta exclamou: “OUVI a palavra do SENHOR, vós filhos de Israel, porque o SENHOR tem uma contenda com os habitantes da terra; porque na terra não há verdade, nem benignidade, nem conhecimento de Deus. Só permanecem o perjurar, o mentir, o matar, o furtar e o adulterar; fazem violência, um ato sanguinário segue imediatamente a outro” (Oséias 4:1-2). As condições eram terríveis. A religião havia se transformado na idolatria mais sensual. A vida familiar se fez dissoluta, razão pela qual o profeta a condenou mais que tudo. Para expressar o seu desespero, ele usou a palavra “fornicação” nada menos de 16 vezes. Como diz Davidson: “Oséias viveu, talvez, durante o tempo mais turbulento e inquieto jamais  experimentado por Israel no passado”. A fúria das distintas facções era como o calor ardente: “Todos eles são adúlteros; são semelhantes ao forno aceso pelo padeiro, que cessa de mexer nas brasas, depois que amassou a massa, até que seja levedada” (Oséias 7:4). Em toda parte havia oposição entre os homens, sendo desesperadora a perspectiva da nação. O sol de Israel ia se pondo e somente um profeta poderia discernir o trágico fim da nação. De fato, pouco tempo depois que Oséias deixou de profetizar, o povo foi levado cativo para a Assíria pelo rei Sargão (II Reis 17).
III - Duração do ministério de Oséias – Alguns crêem que o seu ministério ativo perdurou apenas dez anos. Essa opinião se apóia nas referências do profeta a Gileade, em Oséias 6:8 e 12:11, as quais parecem indicar que o profeta ignorava a guerra entre a Síria e Efraim (734 a.C). Contudo, mais recentemente, Alt declarou que Oséias 5:8 a 6:3 se referem claramente a essa guerra. Além disso, o papel representado  pelos egípcios em Oséias 7:11; 9:3,6;11:5 e 12:1, como contrapeso à Assíria, parece, conforme observa Sellin, levar-nos ao tempo de Oséias, o último rei do reino setentrional. Junte-se a isso a alusão do profeta, em Oséias 10:14, ao saque de Bete-Arbel por Salmã, o que nos leva a 725 a.C, visto como provavelmente foi nesse ano que Salmaneser IV (que pode ser identificado como Salmã) tomou Bete-Arbel. Conforme  II Reis 17:3,4, Salmaneser invadiu Canaã duas vezes: primeiro, quando tomou Bete-Arbel, impondo tributo a Israel setentrional, e depois, no tempo do rei Oséias, quando este quebrou o pacto combinado. Ao contrário de Wellhausen, Nowack e outros, que negam a genuinidade de Oséias 10:14, dizendo que se trata de Salmaneser IV, afirmam que se trata de uma adição posterior, visto que Oséias terminou o seu ministério antes do rei Oséias ter subido ao trono, achamos melhor acreditar que as profecias de Oséias se estenderam sobre um considerável período da história de Israel, o qual poderia ser colocado entre 750 e 725 a.C.
IV – A vocação de Oséias - (Capítulos 1-3). A história pessoal de Oséias pode ser interpretada como um símbolo pessoal da experiência de Javé com Israel e pode ser considerada como a chave do seu ensino. Com delicadeza e sem egoísmo, ele narra a trágica história de sua vida familiar. Esta infundiu como um fogo em sua alma duas idéias: o amor e a fidelidade de Javé por Israel e a infidelidade e ingratidão de Israel para com Javé. Vejamos o que dizem os versos 1:1,2 de Oséias: “PALAVRA do SENHOR, que foi dirigida a Oséias, filho de Beeri, nos dias de Uzias, Jotão, Acaz, Ezequias, reis de Judá, e nos dias de Jeroboão, filho de Joás, rei de Israel. O princípio da palavra do SENHOR por meio de Oséias. Disse, pois, o SENHOR a Oséias: Vai, toma uma mulher de prostituições, e filhos de prostituição; porque a terra certamente se prostitui, desviando-se do SENHOR”. A mulher escolhida foi Gomer, a qual lhe deu dois filhos e uma filha: Jizreel (vingança), Lo-Ruama (sem compaixão) e Lo-Ami (vós não sois meu povo), nomes que significavam o julgamento que, inevitavelmente, iria recair sobre a casa de Jeú. Gomer era infiel aos votos matrimoniais. Metendo-se em orgias desenfreadas a Baal e Asterote, ela caiu na escravidão sensual. Logo em seguida, Oséias a redimiu por 15 siclos de prata e 1,5 ômer de cevada (Oséias 3:2). Desse modo, pelas amarguras sofridas no próprio lar, o profeta aprendeu o amor inextinguível de Javé. Toda a sua história conduz à experiência da realidade. De fato, somente com uma história verdadeira as palavras do profeta poderiam surtir efeito. Sua própria experiência serviu  como um espelho vivo das relações infiéis de Israel para com Javé. É inútil objetar a interpretação literal de todos os capítulos de Oséias. Pois se forem tomados apenas com figurados ou alegóricos, tal interpretação seria uma censura à verdadeira esposa do profeta, se é que ele era casado. E também poderia ser contra o próprio profeta, caso ele não fosse casado.  Toda a história, inclusive o capítulo 3, é uma peça única, referindo-se os capítulos 1 e 3 à mesma mulher e ao mesmo mandato de Javé para que Oséias se casasse com uma rameira. Semelhante pensamento é tremendamente repulsivo às nossas concepções modernas e muito mais o era à mente dos antigos hebreus. Muitos supõem que Gomer havia sido uma mulher pura, até a época do seu casamento, apenas que ela possuía tendências latentes a uma vida imoral. Isso foi ensinado por Ambrósio, Teodoreto, Cirilo de Alexandria e Teodoro de Mopsuéstia. Não que Oséias, com os seus olhos bem abertos, tivesse casado com uma mulher que já possuía má fama, como afirmam outros, porque diz Davidson: “Supor que Javé havia mandado o seu profeta se unir com uma mulher já conhecida pela sua vida impura é absurdo e monstruoso”. Em todo caso, temos o exemplo de uma esposa má, que fez o profeta ser bom. Contudo, não poderia Gomer ter sido antes do casamento uma prostituta sagrada? “Uma mulher sagrada” (pois a palavra “rameira” significa “mulher  sagrada”) uma mulher que o profeta teria comprado do santuário ao qual ela pertencia? A fornicação sacramental era uma característica normal nas religiões politeístas, conforme a natureza dos cultos pagãos. Ainda hoje isso é normal na Índia. E assim foi na religião greco-romana influenciada pelos cultos asiáticos. Não é, portanto, impossível que uma “santidade religiosa” fosse atribuída a semelhante matrimônio e que esse ato de Oséias fosse olhado, de fato, como legítimo e meritório.
         Em todo o caso, a eleição que Oséias fez de Gomer apresenta um problema na Providência divina, o qual não tem paralelo, a não ser na eleição de Judas Iscariotes feita por Jesus. Certamente pode ter havido uma exceção de moralidade social, talvez encoberta ao povo, mas conhecida por Javé. Essa teoria ajuda a explicar a psicologia do desenrolar religioso de Oséias. Em toda a literatura mundial não existe uma história de amor que se compare à de Oséias. Sua paixão por Gomer não era simplesmente uma forte explosão de sentimento. Era, antes de tudo, um fogo consumidor encerrado em seus ossos, o qual nenhuma infidelidade de Gomer poderia abrandar e nem o sofrimento pessoal de Oséias poderia extinguir. O profeta descobriu, por causa da traição de Gomer, e do afeto e lealdade dele, que não existe amor sem sofrimento. Ao mesmo tempo em que não existe sofrimento sem amor. Por isso ele é chamado, apropriadamente, o “Menestrel dos Profetas”, isto é, “O Profeta do Amor”.
V - A mensagem de Oséias - (Capítulos 4-14) - A análise do livro de Oséias é quase impossível. Sem dúvida, em toda parte a sua personalidade é revelada, a maior parte, provavelmente, pelas muitas notas colecionadas com esmero, durante anos. Com muita propriedade esse livro tem sido descoberto como um “amplo monólogo apaixonado, interrompido por soluços”. Ou então, como dizem outros: “mais soluços do que palavras”, o que se torna claro: os capítulos 1-3 falam do mensageiro, enquanto os capítulos de 4-14 falam da mensagem. A primeira seção é uma espécie de autobiografia espiritual, meio narrativa, meio profética, com o confesso amante atormentado à causa de um coração, o qual, pela angústia do amor humano ultrajado, conquistou o segredo do amor divino. A segunda seção consiste numa série de homilias, meros fragmentos de admoestação e promessas, sem quaisquer divisões claramente indicadas. A razão desse tipo mesclado e desconexo de discurso profético se torna perfeitamente clara, especialmente quando reconhecemos que a teologia de Oséias é a do coração em vez da teologia da cabeça. Muitos esforços têm sido feitos  para traçar uma ordem cronológica nos extratos dos capítulos 4-14. Assim, Ewald opinava ter descoberto até mesmo um arranjo artístico e poético, conforme veremos a seguir: 1. Caps. 4:1 a 6:11a – a acusação. 2. Caps. 6:11-b a 9:9 – o castigo. 3. Caps. 9:10 a 14:9 – o passado e o futuro de Israel. Mesmo assim, é melhor considerar que as idéias da profecia de Oséias, por estarem limitadas em número, foram repetidas com freqüência e que o desenrolar e a ordem cronológica foram quase completamente desconsiderados. De fato, os ensinos principais de todo o livro podem ser resumidos em apenas três palavras: lamentação, condenação e consolação, não se podendo discernir qualquer  progresso, a não ser o andamento geral, desde: 1). A culpabilidade de Israel. 2). O castigo. 3). A restauração final. Existe uma monotonia de dor em cada parte do livro, do mesmo modo como existe em “Lamentações de Jeremias”, a qual se expressa em distintas variedades de frases e cadência, que comovem o coração. Apesar disso, é possível traçar, por propósitos homiléticos, os sucessivos passos na destruição nacional de Israel, como segue:
1º. - a falta de conhecimento, conforme o verso Os 4:6: “O meu povo foi destruído, porque lhe faltou o conhecimento; porque tu rejeitaste o conhecimento, também eu te rejeitarei, para que não sejas sacerdote diante de mim; e, visto que te esqueceste da lei do teu Deus, também eu me esquecerei de teus filhos”.  Isto significa “falta de bom senso”, acusação fundamental de Oséias. A nação ignora a lei de Deus. O povo é sensivelmente estúpido, sem juízo, conforme diz o verso Oséias 4:11: “A luxúria, e o vinho, e o mosto tiram o coração”.
A palavra “coração” em Hebraico equivale à palavra “senso”. Desse modo, a repreensão fundamental do profeta é intelectual.
2º. - O orgulho - (verso 5:5) - “A soberba de Israel testificará no seu rosto; e Israel e Efraim cairão pela sua injustiça, e Judá cairá juntamente com eles”. Isso quer dizer que Israel tem um coração enfermo. O povo não somente era patriota como era também arrogante. Efraim tentou rivalizar com os pagãos como um poder mundano. A prosperidade de Jeroboão se tornou em tropeço para a nação. A honra nacional se tornou sinônimo de fornicação nacional. Ao lermos estas palavras recordamos o que disse o poeta James Russell Lowell (1819-1891) em Harvard, quando essa universidade completou 250 anos (1886):
         “Entristeço-me, quando vejo que o nosso êxito como nação é medido pelo número de acres cultivados e das grandes quantidades de trigo exportadas, pois o verdadeiro valor de um país deve ser pesado em balanças mais precisas do que a balança comercial. Os jardins da Sicília agora estão vazios, porém as abelhas de todos os climas ainda trazem mel do pequeno jardim de Teócrito. No mapa mundi pode se tapar a Judéia com o polegar, Atenas com a ponta do dedo, nenhuma das duas sendo mencionada no mundo comercial. Contudo, elas ainda perduram no pensamento e nas ações do homem civilizado. Dante não tapou com o seu gorro todos os que habitam a Itália nos últimos 600 anos? E se regressarmos um século, onde estava a Alemanha, senão em Weimar? O êxito material é bom, mas apenas como uma preliminar necessária a coisas melhores. A medida do verdadeiro sucesso de uma nação é a quantidade em que esta terá contribuído ao pensamento, à energia moral, à felicidade intelectual, à esperança e ao consolo espiritual da humanidade”.
3º. - Instabilidade - (Verso 6:6) – “Por isso os abati pelos profetas; pelas palavras da minha boca os matei; e os teus juízos sairão como a luz...”
4º. - Mundanismo - (Versos 7-8) - “Mas eles transgrediram a aliança, como Adão; eles se portaram aleivosamente contra mim. Gileade é a cidade dos que praticam iniqüidade, manchada de sangue”. Isso quer dizer que a política da nação era má. Por falta de entendimento, Efraim buscou alianças com o Egito e a Assíria, tratando Javé de modo leviano. A nação, sem dúvida, havia sido comandada estritamente pelo grande Legislador a ficar separada dos outros povos. Além disso, Efraim era uma torta, ao redor da qual não se havia dado volta, meio cozida de um lado e meio queimada do outro. Alguns eram demasiadamente ricos, outros pobres ao extremo, fervorosos na política, frios na religião, ficando demasiadamente separados nos extremos da sociedade.
5º. - A corrupção - (Versos 9:9-10) – “Muito profundamente se corromperam, como nos dias de Gibeá; ele lembrar-se-á das suas injustiças, visitará os pecados deles. Achei a Israel como uvas no deserto, vi a vossos pais como a fruta temporã da figueira no seu princípio; mas eles foram para Baal-Peor, e se consagraram a essa vergonha, e se tornaram abomináveis como aquilo que amaram”. A religião estava apodrecida. Era extrema a corrupção na política, como era imperdoável na religião. Israel praticava a fornicação espiritual, disfarçada sob a capa da religião, buscando a Baal-Peor.
6º. Apostasia - (Verso 11:7) - “Porque o meu povo é inclinado a desviar-se de mim; ainda que chamam ao Altíssimo, nenhum deles o exalta”. A apostasia já se transformara num hábito. Os homens pereciam por causa dos seus próprios conselhos perniciosos, conforme o verso 11:6: “E cairá a espada sobre as suas cidades, e consumirá os seus ramos, e os devorará, por causa dos seus próprios conselhos”. A vingança contra o mal era preparada pela própria nação e seus conselheiros. Mesmo assim, Javé deseja salvá-la, como vemos no verso 11:8: “Como te deixaria, ó Efraim? Como te entregaria, ó Israel? Como te faria como Admá? Te poria como Zeboim? Está comovido em mim o meu coração, as minhas compaixões à uma se acendem”.  (Ver Salmos 23:6).
7º. - A idolatria - (Verso 13:2) - “E agora multiplicaram pecados, e da sua prata fizeram uma imagem de fundição, ídolos segundo o seu entendimento, todos obra de artífices, dos quais dizem: Os homens que sacrificam beijem os bezerros”. Israel foi realmente culpado de completo abandono ao Senhor. Profeta algum jamais menosprezou os deuses fabricados como o fez Oséias. De fato, ele denunciou os pecados de Israel nesse tipo de infidelidade a Javé.
         Foram sete os passos principais dados por Israel rumo à sua destruição, conduzindo-a diretamente à ruína nacional. Contudo, o livro de Oséias não se encerra sem uma oferta de graça para a redenção do país, conforme o capítulo 14. Mesmo sendo culpada diante de Javé, sem dúvida alguma, através do arrependimento a sua restauração não é. Vejamos como Javé iria responder, nos versos 14:2, 4: “Tomai convosco palavras, e convertei-vos ao SENHOR; dizei-lhe: Tira toda a iniqüidade, e aceita o que é bom; e ofereceremos como novilhos os sacrifícios dos nossos lábios... Eu sararei a sua infidelidade, eu voluntariamente os amarei; porque a minha ira se apartou deles”. Aqui Javé dá uma nova oportunidade a Efraim. O Seu AMOR prevalece, pois o amor é maior do que a Lei. Quando Efraim peca contra a Lei ele é cortado, mas quando peca contra o amor é destruído. A misericórdia deve triunfar sobre o juízo. Assim Oséias tem em essência a mesma teologia de Amós, somente que a demonstra com mais profundidade. Embasado no amor de Deus, Oséias é o profeta da GRAÇA. Ele antecipou o Calvário e em sentido muito real se preparou para isso, conforme o verso 14:9: “Quem é sábio, para que entenda estas coisas? Quem é prudente, para que as saiba? Porque os caminhos do SENHOR são retos, e os justos andarão neles, mas os transgressores neles cairão”. Isso quer dizer que quem deseja ser sábio, que estude a Bíblia e com ela aprenda: 1.que os caminhos de Javé são retos. 2. que os destinos dos homens são determinados pela sua atitude em relação à vontade divina.
VI - A mensagem de Oséias para nós - Oséias nos ensina uma lição geral de valor permanente: que a corrupção interior de uma nação coloca a sua existência em maior perigo do que os seus inimigos. Outra lição semelhante, estreitamente relacionada com esta, é que o patriota mais fiel é aquele que, como Oséias, identifica-se com o seu povo, sentindo tristeza por suas calamidade como se fossem suas, arrependendo-se dos seus pecados, como se ele próprio os tivesse cometido. A mensagem de Oséias, portanto, jamais se tornará obsoleta. O Deus da história antiga é o mesmo Deus da história moderna. Todos os eventos nacionais continuam sob a superintendência divina. Contudo, o Deus de Israel escolheu os Seus agentes, tanto nacionais como individuais.
Esta é a lição permanente ensinada por Oséias. Outras lições específicas são as seguintes:
1ª. - A loucura de sacrificar os interesses nacionais para ganhar vantagens pessoais. (Os 5:10-11).
2ª. - Sentir pesar e não tolerar o vício (Os 4:13-19).
3ª. - Declínio rápido de uma nação, quando se corrompem os ministros da religião, pois o verso 4:9 diz: “Por isso, como é o povo, assim será o sacerdote; e castigá-lo-ei segundo os seus caminhos, e dar-lhe-ei a recompensa das suas obras”.
4ª. - O castigo quando se descuida a lei de Deus – Versos 4:6 e 8:1,12: “O meu povo foi destruído, porque lhe faltou o conhecimento; porque tu rejeitaste o conhecimento, também eu te rejeitarei, para que não sejas sacerdote diante de mim; e, visto que te esqueceste da lei do teu Deus, também eu me esquecerei de teus filhos... PÕE a trombeta à tua boca. Ele virá como a águia contra a casa do SENHOR, porque transgrediram a minha aliança, e se rebelaram contra a minha lei... Escrevi-lhe as grandezas da minha lei, porém essas são estimadas como coisa estranha”.
5ª. - O desejo paternal de mostrar misericórdia - “hesed”. Esta palavra hebraica, tantas vezes encontrada o Livro de Salmos, tem uma significação muito parecida com a palavra “graça” no Novo Testamento. Ela é usada seis vezes por Oséias (Oséias 2:9; 4:1; 6:6; 10:12; e 12:6), devendo ser traduzida por compaixão, misericórdia e bondade. Por isso Oséias é considerado “O Profeta do Amor”. Amós jamais empregou esse termo. Para Oséias ele tinha a mesma significação da expressão escocesa “graça leal”, isto é, amor com lealdade, incluindo tanto o amor a Deus como aos semelhantes. Oséias foi o evangelista no novo evangelho. “Se o Salmo 22 é o Calvário do Velho Testamento, Oséias é o seu Getsêmani”.  Ecos do profeta são ouvidos no Novo Testamento, ou seja, Oséias 11:1, em Mateus 2:15; Oséias 10:8, em Lucas 23:30; Oséias 2:23, em 1 Pedro 2:10; Oséias 6:6, em Mateus 9:13 e 12:7.
VII – Grandes passagens de Oséias - Isto é, textos dignos de serem mastigados, digeridos e relembrados.
1. - Oséias 6:6: “Porque eu quero a misericórdia, e não o sacrifício; e o conhecimento de Deus, mais do que os holocaustos”.  Esta passagem exercia um fascínio especial sobre Jesus, conforme Mateus 9:13 e 12:7: “Ide, porém, e aprendei o que significa: Misericórdia quero, e não sacrifício. Porque eu não vim a chamar os justos, mas os pecadores, ao arrependimento... Mas, se vós soubésseis o que significa: Misericórdia quero, e não sacrifício, não condenaríeis os inocentes”.
 2. - Oséias 11:8 - “Como te deixaria, ó Efraim? Como te entregaria, ó Israel? Como te faria como Admá? Te poria como Zeboim? Está comovido em mim o meu coração, as minhas compaixões à uma se acendem”. Talvez seja esta a passagem mais significativa do livro de Oséias.
3. - Oséias 6:3 - “Então conheçamos, e prossigamos em conhecer ao SENHOR; a sua saída, como a alva, é certa; e ele a nós virá como a chuva, como chuva serôdia que rega a terra”. Esta é uma exortação notável demais para ter-se originado no século 8 a.C.
4. - Oséias 4:17: “Efraim está entregue aos ídolos; deixa-o”, para que não sejas contagiado por ele.
5. - Oséias 7:9b - “... também as cãs se espalharam sobre ele, e não o sabe”. Este é um sugestivo epigrama.
6. - Oséias 8:7: “Porque semearam vento, e segarão tormenta, não haverá seara, a erva não dará farinha; se a der, tragá-la-ão os estrangeiros”. Uma antecipação de Paulo Apóstolo, em Gálatas 6:7.
7. - Oséias 8:12: “Escrevi-lhe as grandezas da minha lei, porém essas são estimadas como coisa estranha”. Donde se conclui que no tempo de Oséias já existia uma volumosa literatura religiosa.
8. - Oséias 9:14: “Dá-lhes, ó SENHOR; mas que lhes darás? Dá-lhes uma madre que aborte e seios secos”. Estranha imprecação a ser encontrada nos escritos do “Profeta do Amor”. (Comparar com Oséias 13:14-16).
9. - Oséias 10:8 - “E os altos de Áven, pecado de Israel, serão destruídos; espinhos e cardos crescerão sobre os seus altares; e dirão aos montes: Cobri-nos! E aos outeiros: Caí sobre nós!”. Esta profecia é repetida em Apocalipse 6:16: “E diziam aos montes e aos rochedos: Caí sobre nós, e escondei-nos do rosto daquele que está assentado sobre o trono, e da ira do Cordeiro” - pelo Apóstolo do Amor.
10. - Oséias 10:12 - “Semeai para vós em justiça, ceifai segundo a misericórdia; lavrai o campo de lavoura; porque é tempo de buscar ao SENHOR, até que venha e chova a justiça sobre vós”. Este verso se aplica a todas as gerações e em todos os tempos. Sem buscar o nosso Deus estaremos todos perdidos.
11. - Oséias 11:9 - “Não executarei o furor da minha ira; não voltarei para destruir a Efraim, porque eu sou Deus e não homem, o Santo no meio de ti; eu não entrarei na cidade”. Ele vai voltar, sim, mas para salvar o Seu povo.
12. - Oséias 13:4: “Todavia, eu sou o SENHOR teu Deus desde a terra do Egito; portanto não reconhecerás outro deus além de mim, porque não há Salvador senão eu”. Esta passagem é encontrada freqüentemente em Isaías 44-66.
13. - Oséias 14:9 - “Quem é sábio, para que entenda estas coisas? Quem é prudente, para que as saiba? Porque os caminhos do SENHOR são retos, e os justos andarão neles, mas os transgressores neles cairão”. Esta é uma indagação final, com as palavras de Ezequiel, Naum e Sofonias, respectivamente, resumindo o espírito de todo o ensino de Oséias.
14. - Aqui temos alguns epigramas notáveis, do tipo: “Como é o povo, assim será o sacerdote” (Oséias 4:9). “O rei de Samaria será desfeito como a espuma sobre a face da água” (Oséias 10:7). “Atraí-os com cordas humanas, com laços de amor... (Oséias 11:4). “Efraim se mistura com os povos; Efraim é um bolo que não foi virado” (Oséias 7:8).

The Tweve Minor Prophets”, George L. Robinson
Publicado por George H. Doran Co, New York, 1926
Traduzido por Mary Schultze, março/abril 2004
Citações bíblicas da Bíblia Revisada FIEL de Almeida

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Malaquias, o Conferencista

I - Nome do autor -  Nada se sabe a respeito da pessoa de Malaquias, fora do livro que leva o seu nome. Como ele foi o último profeta do Velho Testamento, a priori seria de esperar que fosse bem conhecido dos organizadores do Cânon. O fato, sem dúvida, de que o seu nome não é mencionado em outra parte do Velho Testamento, traz dúvidas a alguns estudiosos se Malaquias foi o nome pessoal do profeta.  Contudo, a partir de Áquila, Simaco e Teodociano, no século 2 d.C., “Malaquias” tem sido geralmente considerado como um nome próprio. Nenhum dos outros profetas do Velho Testamento é anônimo.
         Seu nome significa “meu mensageiro” e corresponde exatamente na forma à expressão “meu mensageiro” em Ml 3:1, comparando-se com Ml 2:7. A partir de um ponto de vista lingüístico, “Malakhi” pode ser razoavelmente considerado como uma abreviação de “Malakhiyah”, cujo significado é “mensageiro de Javé” (Ageu 1:13). Contudo, o nome “Malaquias” pode ter sido apenas um título ou um nome de guerra adotado pelo profeta, em vez do seu nome de nascimento, como se supõe, sendo apenas o nome de sua vocação ao ofício profético. Porque ele, mais do que outro profeta, deve ter sido um herói espiritual para atacar o sacerdócio como o fez. A significação do seu nome é, portanto, expressiva.
         O título do seu livro é sugestivo. A frase com que é iniciado “Peso da palavra do Senhor” também se encontra em Zacarias 9:1 e 12:1 e em nenhuma outra parte, nesta exata forma, em todo do Velho Testamento.  Por isso presume-se que seja enfático, mesmo que se trate da obra de um editor. A Septuaginta agrega “pela mão do seu mensageiro” e o Targum de Jonatan “pela mão do meu anjo”. Jerônimo também designa o livro como sendo de Esdras. Certas tradições o atribuem a Zorobabel e Neemias. Outros, todavia, a Malaquias, a quem designam como tendo sido um levita e um membro da Grande Sinagoga.
         Talvez por causa disso a melhor significação do nome “Malaquias” seja tomá-lo como um adjetivo equivalente à palavra “Angelicus”, cujo significado é “encarregado de uma missão ou mensagem, portanto um missionário (Comparar o nome Ageu que significa “Festo”). O nome resulta, assim, num título apropriado a alguém, cuja mensagem encerra, por assim dizer, o Cânon profético do Velho Testamento. Finalmente, a identidade do autor não é essencial para a autenticidade de sua mensagem. Em todo o  caso, o escritor possuía uma personalidade forte e vigorosa.
II - O período do profeta - O livro guarda silêncio quanto à data de sua composição. Existem várias opiniões (assinalando-se a de Winckler, exatamente o período anterior ao surgimento dos Macabeus), porém, universalmente, se reconhece que o autor foi contemporâneo de Esdras e Neemias, tendo escrito, mais ou menos, em 458 ou 422 a.C. Sellin, sem dúvida, prefere datá-lo de mais ou menos 470 a.C. As condições sociais retratadas são, indiscutivelmente, do período persa. O Templo, que havia sido reedificado e consagrado em 516 a.C.,  estava de pé e a rotina dos sacrifícios havia continuado a realizar-se, por muito tempo. Evidentemente, os edomitas estavam no desterro, pois haviam sido expulsos de sua pátria, nas montanhas, pelos nabateus, pouco depois da queda de Jerusalém, em 586 a.C. Sérios abusos haviam acontecido na vida dos judeus. Os sacerdotes haviam se tornado relaxados e degenerados. Sacrifícios defeituosos eram oferecidos sobre o altar do Templo, com o povo se descuidando de entregar o dízimo. O divórcio era comum, o pacto com Javé fora olvidado e o povo havia se tornado céptico em relação à sua justiça, duvidando seriamente de sua adoção como povo especial de Javé. Eram estas, como sabemos, precisamente, as condições que prevaleciam, também, no tempo de Neemias (Neemias 3:5; 5:1-13).
         Na opinião de muitos, sem dúvida, Malaquias não poderia ter profetizado enquanto Neemias oficiava como governador. Porque em Ml 1:8 ele dá a entender que dádivas poderiam ser oferecidas ao governador, enquanto Neemias nos diz que ele próprio deixara de exigir os tributos oficiais (Neemias 5:15-18). Contudo, como acertadamente observa Elmslie, “uma dádiva para conseguir o favor é uma coisa bem distinta e, além disso, a referência não é pessoal nem local, mas geral e puramente ilustrativa”. Os abusos atacados pelo profeta correspondem, sem dúvida, aos que Neemias procurou corrigir em sua segunda visita a Jerusalém, em 432 a.C. (Neemias 13:7 e seguintes).
         O que Malaquias exorta o povo a lembrar-se era da Lei de Moisés, a qual foi lida publicamente por Esdras, no ano 444 a.C. e está em perfeito acordo com esta conclusão, apesar do fato de que alguns, baseando-se na alegada publicação tardia dessa lei, argumentam por uma data mais recente, anterior ao tempo de Esdras (458 a.C.). Outros, até mais sensatamente, atribuem a origem do livro ao  período entre as visitas de Neemias a Jerusalém, em 445 e 432 a.C. Contudo, seja qual for a nossa conclusão quanto à exata posição do livro, ele assinala uma época significativa da história religiosa de Israel, durante o reinado de Artaxerxes, rei da Pérsia, o qual reinou de 465 a 425 a.C.
III  O estilo do autor- A unidade do livrinho de Malaquias (com apenas 55 versos) não se disputa. Ele se contentou em escrever em prosa, mesmo sendo raras vezes prosaico. A expressão “diz o Senhor do Exércitos”  aparece 20 vezes. Seu Hebraico é puro e comparativamente livre de “aramaicismos”. É difícil dizer se alguma vez Malaquias pronunciou como sermões o conteúdo do seu livro. Em todo o caso, os elementos substanciais que o compõem estão estreitamente ligados entre si, sendo o livro a obra de um advogado legal e de um racionalista moral, que tinha um plano definido e detalhado para argumentar. Sem dúvida, o seu estilo é inferior ao de alguns dos profetas de antes do cativeiro, mas, na certa, ele  possui um vigor e uma força raramente superados por eles. De vez em quando ele revela uma imaginação profética digna dos seus antecessores. Também nele há um ritmo e um paralelismo próprios (Ml 1:11;3:1,6,10; 4:1). Suas figuras são sempre castiças e belas (Ml 1:6;3:2-3;4:1-3).
         O método literário de Malaquias era o dos escribas, fazendo e respondendo perguntas. A forma do seu livro nos mostra que no seu tempo já não havia paciência com os pregadores proféticos. Ele tem de recorrer ao argumento. Era o Sócrates hebreu. Seu estilo era novo entre os judeus. É conhecido como método didático - dialético. Primeiro ele faz uma carga de acusações. Logo imagina que alguém faça uma objeção, a qual ele, em seguida, se dispõe a refutar em seus detalhes, provando a verdade de sua proposição original.
Encontram-se em seu livrinho sete exemplos desse método peculiar de:  a) afirmação, b) interrogação; c) refutação. E a expressão “Mas vós dizeis” aparece 8 vezes (Ml 1:2,6,7;2:14,17;3:7,8,13), por exemplo:
1. - “Eu vos tenho amado, diz o SENHOR. Mas vós dizeis: Em que nos tem amado? Não era Esaú irmão de Jacó? disse o SENHOR; todavia amei a Jacó, e odiei a Esaú; e fiz dos seus montes uma desolação, e dei a sua herança aos chacais do deserto”.
2. - “O filho honra o pai, e o servo o seu senhor; se eu sou pai, onde está a minha honra? E, se eu sou senhor, onde está o meu temor? diz o SENHOR dos Exércitos a vós, ó sacerdotes, que desprezais o meu nome. E vós dizeis: Em que nós temos desprezado o teu nome? Ofereceis sobre o meu altar pão imundo, e dizeis: Em que te havemos profanado? Nisto que dizeis: A mesa do SENHOR é desprezível” (Ml 1:6,7).
3. - “Não temos nós todos um mesmo Pai? Não nos criou um mesmo Deus? Por que agimos aleivosamente cada um contra seu irmão, profanando a aliança de nossos pais? Judá tem sido desleal, e abominação se cometeu em Israel e em Jerusalém; porque Judá profanou o santuário do SENHOR, o qual ele ama, e se casou com a filha de deus estranho. O SENHOR destruirá das tendas de Jacó o homem que fizer isto, o que vela, e o que responde, e o que apresenta uma oferta ao SENHOR dos Exércitos. Ainda fazeis isto outra vez, cobrindo o altar do SENHOR de lágrimas, com choro e com gemidos; de sorte que ele não olha mais para a oferta, nem a aceitará com prazer da vossa mão. E dizeis: Por quê? Porque o SENHOR foi testemunha entre ti e a mulher da tua mocidade, com a qual tu foste desleal, sendo ela a tua companheira, e a mulher da tua aliança. E não fez ele somente um, ainda que lhe sobrava o espírito? E por que somente um? Ele buscava uma descendência para Deus. Portanto guardai-vos em vosso espírito, e ninguém seja infiel para com a mulher da sua mocidade. Porque o SENHOR, o Deus de Israel diz que odeia o repúdio, e aquele que encobre a violência com a sua roupa, diz o SENHOR dos Exércitos; portanto guardai-vos em vosso espírito, e não sejais desleais” (Ml 2:10-16).
4. – “Enfadais ao SENHOR com vossas palavras; e ainda dizeis: Em que o enfadamos? Nisto que dizeis: Qualquer que faz o mal passa por bom aos olhos do SENHOR, e desses é que ele se agrada, ou, onde está o Deus do juízo?” (Ml 2:17).
5. - “Desde os dias de vossos pais vos desviastes dos meus estatutos, e não os guardastes; tornai-vos para mim, e eu me tornarei para vós, diz o SENHOR dos Exércitos; mas vós dizeis: Em que havemos de tornar?” (Ml 3:7). Aqui Malaquias não perde tempo em responder, por causa da falta de sinceridade na pergunta deles.
6. -  “Roubará o homem a Deus? Todavia vós me roubais, e dizeis: Em que te roubamos? Nos dízimos e nas ofertas”.  (Ml 3:8)
7. – “As vossas palavras foram agressivas para mim, diz o SENHOR; mas vós dizeis: Que temos falado contra ti? Vós tendes dito: Inútil é servir a Deus; que nos aproveita termos cuidado em guardar os seus preceitos, e em andar de luto diante do SENHOR dos Exércitos?” (Ml 3:13-14).
         Esse estilo de controvérsia é peculiarmente característico de Malaquias. Ele mostra claramente a influência das escolas e está se encaminhando para o tribunal. Além disso, o seu uso de “ainda” (Ml 1:13 e 2:13) que equivale ao nosso “em primeiro lugar e “em segundo lugar”, é uma evidência adicional ao mesmo efeito. Sem dúvida, apesar da uniformidade mecânica sob a qual ele trabalha, e às abruptas transições que ele faz de um tema para outro, suas profecias são cheias de vigor e força, aplicando verdades antigas com uma originalidade e fervor singulares. Pode-se dizer que o seu livro é o mais argumentativo de todas as profecias do Velho Testamento.
IV - Conteúdo do livro - Malaquias começa com uma declaração clara e definida do tema principal do profeta, isto é, que Javé ainda ama Israel (Ml 1:2-5) e termina com uma palavra de fervorosa exortação para que o povo se recorde da Lei de Moisés (Ml 4:4-6). O corpo do livro é composto de duas extensas polêmicas:
1. - Contra os sacerdotes infiéis que se tornaram descuidados e indiferentes na realização dos cultos no santuário (Ml 1:6 a 2:9)
2. - Contra o povo infiel que começa a duvidar, tanto do amor como da providência de Deus (Ml 2:10 a 4:3). Há dois objetos especiais de sua censura: a maneira indigna com que se observava o culto, do que eram os sacerdotes mais culpados que os outros, e o de se separarem, sob frívolos pretextos, das mulheres judias para se casarem com mulheres pagãs. Por causa disso virá o juízo de Javé. À parte do título ou sobrescrito (Ml 1:1), o livro compreende naturalmente as sete divisões seguintes:
1. - Cap. 1:1-5 - Em que o profeta mostra que Javé ainda ama Israel, porque a sorte de Israel está em contraste muito acentuado à de Edom. Mesmo após ter sido desterrado, Israel foi trazido de volta do cativeiro, tendo sido disciplinado apenas temporariamente. Edom, ao contrário, foi permanentemente expulso de suas montanhas e nunca mais voltará, ficando desterrado irreparável e inexoravelmente.
2. - Caps 1:6 a 2:9 - Uma denúncia contra os sacerdotes e levitas, que se tornaram relaxados em seu ofício sacerdotal, indiferentes à lei, tendo olvidado o pacto com Javé. Seria melhor fechar as portas do Templo, exclama o profeta, do que oferecer semelhantes sacrifícios de maneira tão indiferente. Malaquias prega o arrependimento com intensa seriedade.
3. - Cap. 2:10-16 - Uma severa repreensão ao povo pela sua crassa idolatria e pelo divórcio. Esta seção só pode ser interpretada como apenas metafórica, referindo-se ao abandono de Israel da religião de sua juventude. Ao contrário, é claro que o povo é repreendido por repudiar, literalmente, suas próprias mulheres judias, a fim de contrair matrimônio com as estrangeiras. Esses matrimônios, diz o profeta, não são apenas uma forma de  idolatria, mas também uma violação do desejo de Javé de conservar a descendência digna do Senhor. (Ml 2:14-15).
4. - Caps. 2:17 a 3:6 - Um anúncio do juízo vindouro. Os homens haviam chegado a duvidar seriamente da existência de um Deus de justiça (Ml 2:17). O profeta responde com uma linguagem messiânica de grande significação, dizendo que o Senhor a quem o povo busca virá repentinamente em juízo, tanto para purificar os filhos de Levi como para libertar a terra dos pecadores em geral. Sem dúvida, pelo fato de que Javé não muda, os filhos de Jacó serão todos consumidos (Ml 3:6).
5. - Cap. 3:7-12 -  No que o profeta se detém para dar outros exemplos dos pecados do povo é que este tem deixado de entregar os seus dízimos e ofertas. Por isso tem sofrido a seca, a locusta e a fome. Contudo, se voltarem a entregar pontualmente as suas ofertas, a terra se tornará “uma terra deleitosa”.
6. - Caps. 3:13 a 4:3 – Uma seção dirigida aos desconfiados da época do profeta. Em Ml 2:17, eles perguntam: “Onde está o Deus do juízo?” Agora eles murmuram: “Inútil é servir a Deus; que nos aproveita termos cuidado em guardar os seus preceitos, e em andar de luto diante do SENHOR dos Exércitos?” Os maus prosperam, assim como os bons (Ml 3:14-15), porém o profeta contesta que Javé conhece os seus e tem um memorial diante dele em favor dos que o temem e dos que se lembram do seu Nome (Ml 3:16). É possível que nisso tenhamos o germe da sinagoga dos tempos posteriores. Porque, quando chegar o Dia do Juízo e os bons forem separados dos maus, os que tiveram praticado iniqüidade serão exterminados. Entrementes, sobre os que tiverem praticado a justiça e temido o nome de Javé, “nascerá o sol da justiça”, trazendo eterna cura em suas asas.
7. - Cap. 4:4-6 - Conclui com uma exortação a que se obedeça a Lei de Moisés, com a promessa de que o Profeta Elias virá para convocá-los ao arrependimento (visto como este nada pode fazer a não  ser condenar). É uma confissão tácita da parte de Malaquias de que ele está para cessar o seu ofício.
V - Avaliação da mensagem de Malaquias - Sendo um ardente patriota, sua linguagem era, por conseguinte, clara e, ao mesmo tempo, exigente. O seu primeiro objetivo quando à própria época era o de animar um povo já desencorajado, o qual, como se presume, estava decepcionado porque as predições otimistas de Ageu e Zacarias sobre o reino messiânico não haviam se cumprido. Uma séria reação havia começado, com homens começando a duvidar da providência de Deus. Uma nova reforma se fazia necessária.
         Por outro lado, o seu propósito espiritual foi o de preparar o caminho para a vinda do Messias. Para fazer isso,  ele deu ênfase aos seguintes pontos principais:
1. - O verdadeiro valor do ritual (Ml 1:6 e seguintes). Tanto quanto Ageu Malaquias dá ênfase ao ritual - um ritual honesto, aborrecendo um ritual  comprometido de meia sinceridade. Convoca o povo ao fervor religioso e insiste na pureza e sinceridade do culto público. Os profetas antigos haviam denunciado a estrita adesão ao ritual, quando este usurpava o lugar do culto espiritual e ético de Javé.  Porém as circunstâncias haviam mudado nos tempos de Malaquias e foi necessário insistir na própria observância da lei cerimonial. Para ele também a lei cerimonial não tinha valor em si mesma, a não ser quando expressava devoção, reverência e obediência. O mero ritual era pior do que qualquer culto e melhor do que as portas do  Templo ficarem fechadas: “Quem há também entre vós que feche as portas por nada, e não acenda debalde o fogo do meu altar? Eu não tenho prazer em vós, diz o SENHOR dos Exércitos, nem aceitarei oferta da vossa mão. Mas desde o nascente do sol até ao poente é grande entre os gentios o meu nome; e em todo o lugar se oferecerá ao meu nome incenso, e uma oferta pura; porque o meu nome é grande entre os gentios, diz o SENHOR dos Exércitos” (Ml 1:10-11).
         Esta passagem se interpreta com freqüência como um reconhecimento  da parte de Malaquias da sociedade religiosa dos gentios e como um tributo ao verdadeiro e melhor da religião pagã. Driver, por exemplo, usa isso como um texto ao pregar “A Religião Comparada”. Otley também crê que ele indica uma forma de devoção pagã, a qual Javé se inclina a aceitar. Porém a expressão “Meu Nome” usada três vezes no versículo faz com que essa interpretação seja altamente improvável. O ponto de vista de Malaquias é de preferência este: os judeus da dispersão além dos limites da Palestina, espalhados em todas as partes do mundo pagão, onde quer que existam colônias judaicas, (nessa época havia uma em Elefantina, no Alto Egito), trazem sacrifícios a Javé, os quais, como expressão de culto honesto, envergonham o culto de meia sinceridade e de nenhum valor dos sacerdotes indiferentes de Jerusalém. Como observa J. M. P.  Smith: “É muito evidente que o autor desta profecia havia participado das opiniões dos colonos quanto à legitimidade do culto sacrifical em solo estrangeiro e tenha pensado, ao escrever, em santuários tais como o de Elefantina”. Malaquias não era um mero formalista.
2. - O crime do divórcio - (Ml 2:10 e seguintes) - Para ele o divórcio sem razão era um pecado contra o amor de Javé e um crime contra a fraternidade humana. Ele significava uma violência ao pacto sagrado com Deus, envolvendo a idolatria. Era uma traição à mulher de sua mocidade, destinada ao fracasso, por destruir a santidade do lar e o propósito divino de ser assegurada uma “descendência para Deus”. O ápice do argumento do profeta se encontra em Ml 2:15: “E não fez ele somente um, ainda que lhe sobrava o espírito? E por que somente um? Ele buscava uma descendência para Deus. Portanto guardai-vos em vosso espírito, e ninguém seja infiel para com a mulher da sua mocidade”.  Nesse caso, Malaquias era um cristão em matéria de divórcio. Ninguém disse uma palavra mais elevada nesse sentido, além do próprio Senhor Jesus Cristo.
3. -  A Vinda do Messias e o seu Reino - (Ml 3:1 e seguintes) - O ensino messiânico de Malaquias é muito resumido. O estabelecimento do Reino de Deus será precedido pelo Dia do Senhor, ocasião de purificar a refinar. O próprio Senhor vai inaugurá-lo: “EIS que eu envio o meu mensageiro, que preparará o caminho diante de mim; e de repente virá ao seu templo o Senhor, a quem vós buscais; e o mensageiro da aliança, a quem vós desejais, eis que ele vem, diz o SENHOR dos Exércitos” (Ml 3:1).
         Esse notável anúncio messiânico foi causado pelas dúvidas do povo - se Javé ainda era um Deus de justiça (Ml 2:17). O profeta lhe apresenta uma nova “teodicéia”, a qual não chega a ser nova, visto como Isaías já  havia ensinado a doutrina do “remanescente fiel”. O Dia do Senhor de Joel foi adiado, dilação completamente devida ao amor de Javé. Ele ainda se dignará de enviar Elias, o grande advogado da decisão religiosa, a fim de sanar as dissensões na nação, antes que venha Aquele que é grande e terrível (Ml 4:6). A garantia aqui oferecida - de que estava para surgir uma Idade Áurea - deve ter animado sobremodo os decaídos e a fé vacilante do povo judeu.
         Malaquias acreditava muito firmemente que em seu devido tempo viria o Libertador Divino. Por isso ele insiste veementemente com o povo para que este creia em seu próprio futuro. O caráter especial das passagens de Ml 3:14 e 4:2 é formoso.
4. - A disciplina eterna da lei -  (Ml 4:4-6) - Finalmente Malaquias dá ênfase à necessidade da guarda da Lei de Moisés. Antes ele  havia repreendido os sacerdotes em sua profecia, os quais eram guardiões e expositores da lei, por haver observado como muitos tropeçaram (Ml 2:7-8). Também havia admoestado o povo, dizendo-lhe que a obediência à lei é o único meio seguro de se alcançar a bênção, afirmando, com ênfase quase dramática, que a razão da maldição trazida à nação fora que o povo havia esquecido de guardar a lei (Ml 2:17; 3:12). É mais que evidente que  o povo já começava a sentir o efeito de sua familiaridade mais íntima com as nações que estavam ao redor. Cada dia ele observava mais os antigos ritos e crenças. Malaquias contrabalançava essa tendência, examinando a Lei de Moisés, que havia sido a verdadeira causa da fortaleza nacional. Ele não era um criador, mas sabia como conservar a herança espiritual do passado. Entender a lei é fácil. Apreciá-la é uma tarefa bem mais difícil. Malaquias pensava, assim como  o próprio Cristo, que nem um jota nem um til deveria ser esquecido.
The Tweve Minor Prophets”, George L. Robinson
Publicado por George H. Doran Co, New York, 1926
Traduzido por Mary Schultze, março/abril 2004
Citações bíblicas da Bíblia Revisada FIEL de Almeida
por que somente um? Ele buscava uma descendência para Deus. Portanto guardai-vos em vosso espírito, e ninguém seja infiel para com a mulher da sua mocidade”.  Nesse caso, Malaquias era um cristão em matéria de divórcio. Ninguém disse uma palavra mais elevada nesse sentido, além do próprio Senhor Jesus Cristo.
3. -  A Vinda do Messias e o seu Reino - (Ml 3:1 e seguintes) - O ensino messiânico de Malaquias é muito resumido. O estabelecimento do Reino de Deus será precedido pelo Dia do Senhor, ocasião de purificar a refinar. O próprio Senhor vai inaugurá-lo: “EIS que eu envio o meu mensageiro, que preparará o caminho diante de mim; e de repente virá ao seu templo o Senhor, a quem vós buscais; e o mensageiro da aliança, a quem vós desejais, eis que ele vem, diz o SENHOR dos Exércitos” (Ml 3:1).
         Esse notável anúncio messiânico foi causado pelas dúvidas do povo - se Javé ainda era um Deus de justiça (Ml 2:17). O profeta lhe apresenta uma nova “teodicéia”, a qual não chega a ser nova, visto como Isaías já  havia ensinado a doutrina do “remanescente fiel”. O Dia do Senhor de Joel foi adiado, dilação completamente devida ao amor de Javé. Ele ainda se dignará de enviar Elias, o grande advogado da decisão religiosa, a fim de sanar as dissensões na nação, antes que venha Aquele que é grande e terrível (Ml 4:6). A garantia aqui oferecida - de que estava para surgir uma Idade Áurea - deve ter animado sobremodo os decaídos e a fé vacilante do povo judeu.
         Malaquias acreditava muito firmemente que em seu devido tempo viria o Libertador Divino. Por isso ele insiste veementemente com o povo para que este creia em seu próprio futuro. O caráter especial das passagens de Ml 3:14 e 4:2 é formoso.
4. - A disciplina eterna da lei -  (Ml 4:4-6) - Finalmente Malaquias dá ênfase à necessidade da guarda da Lei de Moisés. Antes ele  havia repreendido os sacerdotes em sua profecia, os quais eram guardiões e expositores da lei, por haver observado como muitos tropeçaram (Ml 2:7-8). Também havia admoestado o povo, dizendo-lhe que a obediência à lei é o único meio seguro de se alcançar a bênção, afirmando, com ênfase quase dramática, que a razão da maldição trazida à nação fora que o povo havia esquecido de guardar a lei (Ml 2:17; 3:12). É mais que evidente que  o povo já começava a sentir o efeito de sua familiaridade mais íntima com as nações que estavam ao redor. Cada dia ele observava mais os antigos ritos e crenças. Malaquias contrabalançava essa tendência, examinando a Lei de Moisés, que havia sido a verdadeira causa da fortaleza nacional. Ele não era um criador, mas sabia como conservar a herança espiritual do passado. Entender a lei é fácil. Apreciá-la é uma tarefa bem mais difícil. Malaquias pensava, assim como  o próprio Cristo, que nem um jota nem um til deveria ser esquecido.
The Tweve Minor Prophets”, George L. Robinson
Publicado por George H. Doran Co, New York, 1926
Traduzido por Mary Schultze, março/abril 2004
Citações bíblicas da Bíblia Revisada FIEL de Almeida

Zacarias, o Vidente

I - Genealogia e Missão – Na introdução do seu livro lemos que Zacarias era “filho de Baraquias, filho de Ido” (Zc 1:1,7). Entretanto, em Esdras 5:1 e 6:14 é dito que ele era “filho de Ido” e, contudo, trata-se do mesmo profeta em ambas as passagens. Na última é dado a entender que ele foi contemporâneo de Ageu, o que está de perfeito acordo com as datas atribuídas às profecias destes dois videntes, em seus respectivos livros (Ageu 1:1 e 2:10. Zc 1:1,7). Porque a sua missão era em geral a mesma, isto é, induzir o povo a reedificar o Templo. Zacarias, provavelmente, era mais jovem do que Ageu (Comparar Zc 2:4; Ageu 2:3) e um homem de inusitada visão, quase sem paralelo. Sendo sacerdote, bem como profeta (Neemias 12:16) e cabeça da “casa paterna”, sua influência era muito grande.  Seu nome, sem dúvida, demonstra dotes especiais, pois em Hebraico significa “Aquele de quem Javé se agrada”.

II - Caráter geral do livro - Existem poucos livros no Velho Testamento tão difíceis de se interpretar como o de Zacarias. Os expositores judeus, tais como Abarbanel e Jarchi, e os expositores cristãos, como Jerônimo, são forçados a confessar que “nenhum dos homens de força achou as próprias mãos” na exposição das visões do profeta (usando um modismo hebraico, exposto no Salmo 76:5) e que foram de um labirinto a outro e de uma nuvem a outra, até se perderem. Por certo o alcance da visão do profeta e a profundidade espiritual do seu pensamento exigem uma reflexão mais séria. Com efeito não é exagero afirmar que de todas as composições proféticas do Velho Testamento, as visões de Zacarias são as mais messiânicas e, por conseguinte, as mais difíceis, visto como estão mescladas e entremeadas de muito do que é apocalíptico e escatológico. 

III -  Seu tempo - A data mais remota em seu livro é “o segundo ano de Dario”, isto é, de Dario Histaspes, ao que se sabe, 520 a.C.,  e a mais tardia, “o ano quarto” do reinado deste rei (Zc 1:1,7; 7:1). Contudo, presume-se ser possível que o profeta tenha continuado exortando, pelo menos até que o Templo foi concluído, no ano 516 a.C.  (Esdras 6:15). As circunstâncias e condições sob as quais Zacarias trabalhava eram em geral as do tempo de Ageu, visto como este começou justamente dois meses antes de Zacarias (Comparar com Ageu 1:1 e Zc 1:1). Era o ano 520 a.C.  Por esse tempo, houve repetidos transtornos e comoções em toda a longitude e latitude do império persa. A declaração de Zc 1:11 de que “... toda a terra está tranqüila e quieta” era verdadeira apenas no sentido de que havia cessado toda a oposição aos judeus quanto à reedificação do Templo. Quando Dario subiu ao trono em 521 a.C., conforme é bem conhecido, muitas das tribos - que haviam sido forçadas a submeter-se ao domínio persa sob Ciro e Cambises - rebelaram-se. Insurreições eclodiram em toda parte do império, especialmente ao noroeste, e Dario teve de lutar 19 batalhas, antes que essas tribos rebeldes fossem subjugadas.
         Contudo, as predições de Jeremias a respeito do domínio da Babilônia por “70 anos” haviam se cumprido (Jr 25:11;29:10) e 42.360 judeus haviam regressado a Jerusalém, em 536 a.C., sob a liderança de Zorobabel e Josué. A obra do Templo havia sido iniciada, mas a oposição que os seus vizinhos haviam feito atrasou a conclusão do edifício sagrado, levando os judeus a se desanimarem e se entristecerem por não conseguirem restaurar Sião. Havia muito que os alicerces do Templo foram colocados, mas até ali nada havia sido edificado sobre os mesmos (Esdras 3:8-10 e Zc 1:16). O altar dos holocaustos havia sido erguido sobre o sítio anterior, mas até então não havia sacerdotes dignos de oficiar no ritual do sacrifício (Esdras 3:2,3 e Zc 3:3). O povo havia se tornado apático e era necessário despertá-lo para a obrigação de terminar o santuário. Ageu já os havia animado a prosseguir (Ageu 1:1,15), porém foi deixada a Zacarias a tarefa de fazer com que a reedificação do Templo se tornasse uma realidade. Nisso ele teve êxito, pois a Casa foi concluída “no sexto ano do reinado do rei Dario” (Esdras 6:14,15), ou seja, no ano 516 a.C.
IV - Análise e conteúdo - As profecias de Zacarias normalmente se dividem em duas partes: capítulos 1-8 e 9-14, ambas começando no presente e contemplando, apocalipticamente, o futuro.
1. - Os caps. 1-8 consistem em três mensagens distintas, pronunciadas em três ocasiões separadas.
a) - Os Caps. 1:1-6 - São uma introdução pronunciada no oitavo mês do segundo ano de Dario (520 a.C.). Ela fornece a tônica de todo o livro, sendo uma das apelações mais fortes ao arrependimento e uma das mais intensamente espirituais que se podem encontrar no Velho Testamento.
b) - Os Caps. 1:7 a 6:15 - Mostram uma série de oito visões simbólicas de noite, seguida de uma cena de coroação. Ela foi toda pronunciada no dia 14 do undécimo mês do segundo ano de Dario, ou seja, exatamente dois meses após a colocação dos alicerces do Templo (Ageu 2:18; Zc 1:7). Essas oito visões tiveram como objetivo animar a colônia que havia regressado do cativeiro a continuar e completar a construção da Casa de Deus, dando, respectivamente, as seguintes lições:
b-1 - Os mensageiros celestiais (Zc 1:7-17) - mostrando o cuidado especial de Deus pelo seu povo, o qual afirma explicitamente: “Nela [Jerusalém] será edificada a minha casa” (Zc 1:16)
b-2 - Os quatro chifres e os quatro carpinteiros -  (Zc 1:18-21), ensinando que os inimigos de Israel finalmente terão sido destruído por meio de guerras e que não haverá oposição à construção da Casa de Deus.
b-3 - Um homem que tinha na mão um cordel de medir -  (cap. 2) - ensinando que Deus voltará a povoar e proteger Jerusalém e nela habitará, fazendo com que a cidade se estenda, até se tornar uma metrópole sem muros ao seu redor. De fato, o próprio Javé será a glória no meio dela, com um muro de fogo ao seu redor.
b-4 - Josué, o sumo sacerdote, vestido de vestes sujas  (levando os seus próprios pecados e os do seu povo - cap. 3) - ensinando que o sacerdócio será purificado, continuado e tornado mais típico do Messias, o varão que há de vir, em cujo dia a iniqüidade da terra será completamente aniquilada.
b-5 – O castiçal de ouro e as duas oliveiras - (cap. 4) - Ensinando que o visível terá de ceder lugar ao espiritual e que pelos “dois ungidos”, isto é, Zorobabel, o  leigo, e Josué, o sacerdote (v. 14), arderá a luz divina com esplendor brilhante e que não será “...por força nem por violência, mas pelo meu Espírito” (v.6) que esta Casa realizará o seu objetivo [A meu ver, o reinado de Cristo sobre o mundo inteiro! Maranata!]
b-6 - O rolo volante – (Zc 5:1-4) - Ensinando que Deus tem pronunciado em sua lei uma maldição contra a iniqüidade e que Ele “pensa” em destruir todos os pecadores.
b-7 - (Zc 5:5-11) - Descrevendo a iniqüidade como personificada e levada longe demais, até a terra de Sinear, dizendo que quando o Templo for reedificado, o pecado será realmente excluído da terra [Isso só pode referir-se de fato ao reinado do Messias Jesus Cristo].
b-8 - Os quatro carros - (Zc 6:1-8) - Saindo da presença do Senhor de toda a terra e ensinando que a providência protetora de Deus estará sobre o seu povo e o seu santuário, mesmo quando os muros da cidade necessitem de um Neemias para os reconstruir.
         Esses versos são seguidos de uma cena de coroação (Zc 6:9-15), na qual o sacerdote Josué é coroado e feito Messias - Varão, Sacerdote e Rei. Este é o retrato mais perfeito e completo do Messias vindouro, do qual se fala em todo o Velho Testamento.
c. - Os caps. 7-8 -  São a resposta de  Zacarias à comissão de Betel sobre o jejum, pronunciada no quarto dia do nono mês do quarto ano de Dario, ou seja, 528 a.C. Desde a queda de Jerusalém, em 586 a.C., os judeus haviam se acostumado a jejuar nos aniversários de quatro notáveis acontecimentos de sua história: 1. - Quando Nabucodonosor ocupou Jerusalém, no quarto mês (Jr 52:6). 2. - Quando o Templo foi queimado, no quinto mês (Jr 52:12). 3. - Quando Gedalias, o governador, foi assassinado, no sétimo mês (Jr 41:1-2). 4. - Quando começou o sítio a Jerusalém, no décimo mês do nono ano de Nabucodonosor (2 Reis 25:1).
         Em sua resposta à comissão de Betel, diz enfaticamente o profeta que “os jejuns de Israel serão como festas, muitas nações se unirão aos judeus, a fim de buscar o Senhor dos Exércitos em Jerusalém” (Zc 8:18-23).
d. - Os caps. 9-14 – constituem a segunda parte do livro e são “o peso da palavra do Senhor contra a terra...”, oráculos sem data.
d-1 - Os caps. 9-11 - São um oráculo de promessa com relação à nova teocracia. Em geral esta seção contém promessas de uma terra onde morar, uma volta ao cativeiro, a vitória sobre uma potência hostil universal [Roma], e também bênçãos temporais e força nacional, concluindo com uma parábola de juízo causado pela apostasia de uma parte de Israel contra Javé e o seu pastor. Mais especificamente, no cap. 9, essas promessas se destinam a um Judá e a um Efraim restaurados, unidos e tornados vitoriosos sobre os seus inimigos, prometendo-lhes uma terra e um rei. No cap. 10, Israel há ser salvo e fortificado. No cap. 11, Israel há se de ser castigado por abandonar o cuidado especial com Javé.
d-2 - Os caps. 12-14 - contêm um oráculo que descreve as vitórias da nova teocracia e o Dia (vindouro) do Senhor- Esta seção é enfaticamente escatológica e apresente três distintas descrições apocalípticas.  No cap. 12, de como Jerusalém será sitiada pelos inimigos, mas salva pela intervenção de Javé. No cap. 13, Zacarias fala de como um remanescente será salvo. No cap. 14, vemos como as nações, após terem sitiado e ocupado a cidade, correrão até Jerusalém, a fim de se unirem na guarda e no gozo  da Festa dos Tabernáculos. E de como todos, naquele tempo, até mesmo “sobre as campainhas dos cavalos”, “todas as panelas em Jerusalém serão consagradas ao Senhor dos Exércitos”, sendo toda esta seção uma visão apocalíptica de juízo e redenção.
V - Lições permanentes ensinadas por Zacarias
1. - Como a fé decaída de uma comunidade pode ser reanimada pela pregação de um profeta sincero e fervoroso, o qual, mesmo não sendo um gênio, possui uma grande fé. Zacarias viu a possibilidade de uma repentina e decisiva intervenção da parte de Javé em favor de Israel.
2. -  Como, mesmo no tempo de Zacarias, se apelou “aos profetas anteriores” como norma de autoridade (ZC 1:4;7:12 - Comparar com 2 Timóteo 3:16-17). Parece que os seus escritos já estavam se tornando canônicos.
3. - Como os judeus, desde o tempo de sua primeira volta, começaram a entender que, algum dia, a verdadeira religião chegaria a ser universal (Zc 2:1; 6:15;8:23; 14:16).
4. - A reconstrução da Casa de Deus era uma condição indispensável para  uma época melhor. (Zc 1:16). O profeta fala com freqüência da Casa de Deus, cinco vezes na primeira parte (Zc 1:16; 3:7;4:9;7:3;8:9) e quatro vezes na segunda (Zc 9:8;11:13;14:20,21). Não pode existir felicidade social permanente sem a presença da igreja.
5. - Como a contenda de Israel é realmente contra Satanás, seu inimigo espiritual, mais do que com as nações vizinhas (Zc 3:1). Satanás é sempre o maior adversário da igreja.
6. - Como convém aos crentes esperar sempre. Mesmo que a débil luz da igreja possa arder poucas vezes, sem dúvida não há de ser “por força nem por violência, mas pelo meu Espírito, diz o Senhor dos Exércitos” (Zc 4:6).
7. – Como os jejuns e as festas nada representam em si mesmos. Porque nenhum destes causou ou evitou o cativeiro de Israel. O que Deus exige do seu povo está nos versos Zc 8:16-17: “Estas são as coisas que deveis fazer: Falai a verdade cada um com o seu próximo; executai juízo de verdade e de paz nas vossas portas. E nenhum de vós pense mal no seu coração contra o seu próximo, nem ameis o juramento falso; porque todas estas são coisas que eu odeio, diz o SENHOR”.
8. - Como Deus tem vontade de pastorear suas indignas ovelhas, tomando o cetro em lugar do simples cajado de pastor, com o objetivo de dedicar-se de maneira incomum ao ofício de pastor. Tão solícito Ele é pelo bem estar do seu povo. (Zc 11:7).
9. - Como o rebanho rebelde se lamentará, logo que reconhecer que está pelejando contra Deus. Como sugeriu Calvino, “Se um pecador não se coloca como se estivesse diante do tribunal de Deus, jamais terá o sentimento de um verdadeiro arrependimento”.  (Zc 12:10. Comparar com João 19:37).
10. - Como, finalmente, a contenda entre o bem e o mal terminará num dia glorioso para Israel, quando o Messias vier para estabelecer o seu Reino e Javé se tornar o Rei de toda a terra, quando, então,  não haverá mais maldição (Zc 14:9-11). Será um dia inesquecível, dia conhecido como O DIA DO SENHOR! Não será dia nem noite, mas sucederá que no tempo da tarde haverá luz. “E acontecerá que, se alguma das famílias da terra não subir a Jerusalém, para adorar o Rei, o SENHOR dos Exércitos, não virá sobre ela a chuva” (Zc 14:17).
         [Que turismo abençoado, ó Senhor!] Aqui reside o legítimo otimismo!

The Tweve Minor Prophets”, George L. Robinson
Publicado por George H. Doran Co, New York, 1926
Traduzido por Mary Schultze, março/abril 2004
Citações bíblicas da Bíblia Revisada FIEL de Almeida

Ageu, o Profeta da Construção do Templo

I - História pessoal - Pouco se sabe a respeito de Ageu, além do fato de ter sido ele o primeiro profeta da recém-estabelecida colônia judaica, formada pelos  que regressaram da Babilônia à Palestina, em 536 a.C. Tanto em seu livro como em Esdras 5:1, ele é apresentado simplesmente como “Ageu, o profeta”. De Ageu 2:3 Ewald deduziu que ele já era um ancião, quando profetizou, tendo provavelmente entre 70 e 80 anos de idade. Em todo o caso, parece que tinha mais idade do que Zacarias, pois quando os seus nomes aparecem juntos, Ageu é sempre mencionado em primeiro lugar (Esdras 5:1;6:14). Uma tradição antiga declara com certeza que ele nasceu em Jerusalém, tendo sido levado cativo por Nabucodonosor, e que lhe foi permitido por Ciro o regresso à Cidade Santa. Por outro lado, Epifânio em sua “Vida dos Profetas”, afirma que ele voltou da Babilônia enquanto ainda era jovem.
         As versões gregas, latinas e siríacas associam o seu nome ao de Zacarias, no princípio de certos salmos, como o seu provável autor. Por exemplo, o Salmo 111 na Vulgata e os Salmos 125 e 126 na Peshita. O Salmo 137 na Septuaginta e na Peshita e o Salmo 245 na Septuaginta, na Peshita e na Vulgata. Contudo, alguns estudiosos acham provável que esses salmos fossem apenas apresentados nos serviços do Templo por recomendação desses profetas, que eram homens de grande fé (Comparar com Ageu 2:2-9). Ageu, especialmente, era um profeta cuja fé quase chegava à certeza (Ageu 1:13). Possivelmente ele também foi um sacerdote (Ageu 2:10-19). Segundo a tradição judaica ele era membro da Grande Sinagoga.
         Seu nome em Hebraico tem uma raiz descritiva de movimento excitado e rápido, tal como a dança. Daí se pode deduzir ter ele nascido em algum dia de festa. Compare-se com o nome romano “Festo”. Os nomes hebreus eram às vezes formados dessa maneira. Por exemplo, “Barzilai” significa “homem de ferro”, oriundo de “Barzil” = ferro. Por outro lado, é possível que o nome “Hagga” seja uma contração de “Haggiah”, significando “Festival de Javé” (1 Crônicas 6:30). Assim como “Matenai” é uma contração de “Mataniah” (Esdras 10:26,33). Também o seu nome pode ser uma contração de “Hagariah” (Javé se move), bem como “Zaqueu” é uma abreviação de Zacarias.
II - Sua Obra - A reedificação do Templo é o centro de interesse ao redor do qual gira tudo que Ageu prega. Porque sua missão suprema era animar os judeus de Jerusalém a se levantarem para reedificar o Templo de Salomão, destruído por Nabucodonosor em 586 a.C. Nenhum profeta pregou mais direta e fervorosamente aos seus contemporâneos e nenhum outro conseguiu mais êxito. Seu colega mais jovem, Zacarias, também foi chamado a ajudar nessa grande tarefa. A diferença entre eles é que Ageu pregou durante um breve período de crise, enquanto Zacarias anexou profecias espirituais de edificação, para todos os tempos, às suas visões sobre a reconstrução do Templo.
III - Seu período e circunstâncias - Todas as profecias de Ageu (bem como muitas de Ezequiel) estão datadas como pertencentes ao segundo ano de Dario, lá pelo ano 520 a.C. (Ageu 1:1,15;2:10). O livro de Esdras, sem dúvida, dá mais detalhes da história do seu período e obra (Esdras 1:1-4:5;4:24-6:15). Ele nos conta como um segundo êxodo, por assim, dizer, aconteceu em 536 a.C, quando Ciro, rei da Pérsia, deu aos judeus permissão para regressarem a Jerusalém (Ageu 1:1-4) e 42.360 pessoas, sob a liderança de Zorobabel, cabeça civil da comunidade, e Josué, cabeça eclesiástica, regressaram à Terra Santa e se estabeleceram em Jerusalém, e nas povoações vizinhas a Belém, Betel, Anatote, Gabaa e outras partes (Ageu Cap. 2).
         O livro de Esdras também nos diz como a permissão de Ciro para reconstruir o Templo transformou-se em letra morta durante anos (Ageu 4:1 e seguintes). Porque, ainda que os colonos judeus houvessem regressado da Babilônia ansiosos e entusiastas, a fim de restabelecer o culto no seu santuário, tendo edificado o altar dos holocaustos sobre o antigo local do mesmo (Ageu 3:2-3), sem dúvida sabemos que eles foram obrigados a desistir do seu término por causa dos ciúmes dos samaritanos semi-pagãos e meio judeus, os quais descendiam dos colonos trazidos a Samaria pelo rei Sargão, em 722 a.C (2 Reis 17:24-41), cuja oferta para ajudar na construção havia sido terminantemente recusada (Ageu 4:1-5,24 - Comparar com Ageu 5:16). Por causa disso, o trabalho de reconstrução ficou parado por dezesseis anos. A apatia substituiu o entusiasmo e o sórdido afã de ganhar dinheiro absorveu-lhes o interesse principal.
         De fato, parecia que, à medida em que o tempo passava, os judeus até começavam a regozijar-se com a oposição feita à sua tarefa, visto como isso lhes dava oportunidade de construir casas bem trabalhadas para eles mesmos (Ageu 1:4). Porém aconteceram anos de escassez, devido, como Ageu lhes recorda, ao desagrado de Javé (Ageu 1:1-11).
         O Prof. W. H. Kosters (de Leiden), por outro lado, procurou mostrar, há vários anos, que não houve tal regresso dos judeus do cativeiro, sob Ciro, e que Ageu e Zacarias nunca fazem alusão a este, mas até consideravam o regresso de Israel como coisa futura (Zacarias 2:6-7) e pregavam ao restante dos judeus que havia ficado em Jerusalém, depois de Nabucodonosor ter levado para o cativeiro a nata da nação, em 586 a.C.  Contudo, apesar da plausibilidade da teoria de Kosters, a narrativa contida em Esdras, Caps. 1-4, descrevendo o regresso de 42.360 judeus sob a direção de Zorobabel e Josué, merece ser crida como verdadeira. Kosters teve poucos discípulos.
         Quando Dario, filho de Histaspes, subiu ao trono, uma nova era foi inaugurada na história da novel colônia. Politicamente, esse era um período crítico. No ano 521 a.C., tendo Dario despachado o usurpador que ocupara o trono por sete meses, começou a reinar sobre o desunido império persa. Sua obra era essencialmente a de reconstrução política. Seus antecessores, Ciro e Cambises, haviam se ocupado principalmente de guerras de conquistas. Por isso haviam tido pouca oportunidade de consolidar as várias tribos que estavam nominalmente sujeitas ao governo persa. Muitas dessas tribos estavam descontentes e rebeldes. Insurreições eclodiam em toda parte do império, no início do reinado de Dario (Ageu 2:7,22). Rebelaram-se as províncias de Susana, Média, Assíria, Armênia e Partia, ao todo vinte e três, causando sérias preocupações ao rei. Compare-se a famosa Inscrição Behistun de Dario. Este lutou em dezenove batalhas, subjugando as tribos recalcitrantes. Mesmo assim, o império persa foi sacudido até os fundamentos, especialmente no ano durante o qual Ageu pregou (520 a.C.). Estes acontecimentos dão conta das repetidas alusões do profeta ao fato de que Javé iria fazer “tremer todas as nações”  (Ageu 2:6,7,21,22). Ele parece considerar esse abalo das nações como um prenúncio da era messiânica e a reedificação do Templo como a necessária preparação para a recepção do Rei Divino.
IV - Análise - As profecias de Ageu, por estarem datadas, são facilmente analisadas:
1. - Cap. 1:1-15 - Pronunciada no primeiro dia do sexto mês (setembro), contendo censuras do profeta à indiferença do povo em relação à Casa do Senhor, acusando-o fortemente, em o nome deste. Admoestando ainda por causa da apatia em relação à reedificação do Templo, o que havia feito com que Deus lhe negasse o produto do campo (Ageu 1:10, comparar com 2:16) e exortando-o a “considerar” os seus caminhos (Ageu 1:5-7). O efeito dessa admoestação aberta e comovente foi que, vinte e quatro dias depois, o povo começou a trabalhar (Ageu 1:14,15).
2. - Cap. 2:1-9 - pronunciada no vigésimo primeiro dia do sétimo mês (outubro) contém uma nota verdadeiramente animadora para aqueles, cujas ambições para construir o Templo (o qual seria digno de comparar-se ao de Salomão) corriam o perigo de fracassar. Ao contrário, o profeta lhes assegura que Javé “fará tremer” as nações e as coisas preciosas de todas as nações hão de vir, para aformosear e glorificar o novo edifício (Ageu 2:7-8, comparar com Hebreus 12:26-27).
3. - Capítulo 2:10-19 - pronunciada no vigésimo quarto dia do nono mês (dezembro), exatamente três meses após ter sido relembrada a obra de reconstrução do Templo, contendo o primeiro discurso, uma repreensão ao povo por causa da sua inação e a declaração de que o seu descuido nesse sentido havia contaminado a sua vida moral. Uma parte desse discurso é expressa em forma de parábola (Ageu 2:11,14), por meio da qual é demonstrado como uma só culpa pode conduzir ao vício. Por outro lado, se os trabalhos de reconstrução do Templo se adiantam, Javé voltará a abençoá-los e com boas recompensas há de premiar o seu zelo renovado (Ageu 2:19; Zacarias 8:9-12).
4. - Capítulo 2:20-23 - pronunciada na mesma data do terceiro discurso, anunciando que a catástrofe se avizinha, quando “o trono dos reinos” será transtornado, Zorobabel será estabelecido como o representante da dinastia de Davi, a esperança patriótica de Israel, o vice-regente honrado por Deus - sim, o precioso ”anel de selar” na mão de Javé (Comparar com Jeremias 22:24).
V - Lições permanentes - A mensagem de Ageu, com apenas 38 versos (que se imagina constituírem apenas um breve resumo dos mais importantes discursos do profeta), causou um ímpeto efetivo na causa da reconstrução do Templo, assim como testifica Esdras nos caps. 5:1 e 6:14 do seu livro. O resultado de sua pregação foi uma grande vitória. Porque persuadir todo o povo a fazer sacrifício financeiro e adiar os seus próprios interesses particulares, a fim de construir um santuário público, não era uma tarefa fácil. Porém Ageu o conseguiu e pelo seu êxito tornou-se o verdadeiro fundador do Judaísmo pós-cativeiro. Sua obra serviu de preparação à de Esdras e Neemias.
Entre as lições de Ageu, que são de valor permanente, destacam-se:
1. - A origem divina de toda pregação que tenha êxito - A declaração mais notável de todos os escritos de Ageu é a que se encontra em Ageu 1:13: “... Eu sou convosco, diz o SENHOR”. Repetidas vezes o profeta nos diz que “foi-lhe feita a revelação de Javé” (Ageu 2:1,10,20). Com muita freqüência ele usa também a expressão “Assim fala [ou diz] o Senhor do Exércitos” (Ageu 1:2,5,6,7; 2:11 – Comparar com Ageu 1:9; 2:7,9,23 e também com Ageu 2:4,14,17).
         Ele fala com freqüência da presença de Javé na nação: “...Eu sou convosco, diz o SENHOR”  “... porque eu sou convosco, diz o SENHOR dos Exércitos” (Ageu 1:13;2:4), prometendo da parte deste, por dez vezes, que ele fará coisas em prol de Israel: “Encherei esta Casa de glória”; “Darei a Paz”, “Transtornarei o trono dos reinos”, etc. Em verdade é por causa dessa convicção absoluta que Ageu se aventura a exortar o seu povo com “considerai os vossos caminhos” (Ageu 1:5 - Comparar com Ageu 2:15,18).
2. - O caráter contagioso do pecado da demora -  Com uma parábola um tanto inusitada - contida em Ageu 2:10-19 - o profeta ensina que mesmo não sendo a justiça contagiosa, a injustiça o é. “O apagado aroma de santidade exalado pelos sacrifícios do seu altar era demasiado débil para penetrar a atmosfera profana de sua vida”. Por outro lado, o grande adiamento de 16 anos na obra de reconstrução da Casa de Deus havia tornado o povo imundo à vista divina e lhe havia trazido o fungo, o granizo e a destruição, em vez da colheita abundante (Ageu 2:15-16). Ele argumenta que ainda que um homem saudável não possa comunicar saúde a outra pessoa, ao tocá-la, o enfermo pode facilmente comunicar contágio aos que o rodeiam. Em outras palavras, ele diz que há coisas mortas entre eles, isto é, o fato de que a Casa de Javé está deserta (Ageu 1:9;2:13,14) e que O tratando com indiferença, eles se tornaram imundos e contaminados.
3. - A igreja é o centro religioso do mundo – Ele diz: “E farei tremer todas as nações, e virão coisas preciosas de todas as nações, e encherei esta casa de glória, diz o SENHOR dos Exércitos. Minha é a prata, e meu é o ouro, disse o SENHOR dos Exércitos” (Ageu 2:7-8. Comparar com Isaías 2:2-4)). Assim o profeta atribui uma significação quase sacramental ao Templo (Comparar com Ezequiel, Caps. 40-48). Supõe-se que esse conceito não possa cumprir-se adequadamente, a não ser no sentido espiritual, conforme interpretado em Hebreus 12:26-28...
4. - A majestade  do reinado - A última promessa de Ageu é que Javé tomará Zorobabel e o converterá em um “anel de selar... porque te escolhi” (Ageu 2:23). Wellhausen e outros interpretam estas palavras sobre Zorobabel como significando ser ele o Messias esperado, prometido pelos profetas anteriores. Mas provavelmente basta pensar que o  profeta meramente o assinala como objeto das preciosas esperanças da nação. E que nas abaladas nações, ele, Zorobabel, o neto de Joaquim, que fora degradado das funções do ofício real (Jeremias 22:24), prosseguiria como o honrado vice-regente de Javé e assim uniria a esperança política da congregação posterior ao cativeiro à linha real das predições messiânicas de Judá. Isaías fala de Ciro em termos semelhantes, sem que haja qualquer implicação messiânica (Isaías 44:28; 45:1). Apesar disso, na proeminência que Ageu dá aqui ao Templo e a Zorobabel, temos a promessa de maior glória do segundo Templo por Jesus Cristo.
VI - Estilo - Ainda que o estilo de Ageu seja menos poético do que o dos seus predecessores, sem dúvida apenas se faz justiça ao falar dele como “áspero”, “mesquinho” e “pobre” em seu vocabulário. Porque o seu estilo convém admiravelmente à sua mensagem e ao fim proposto. Seu estilo, mesmo conciso e sem adornos, é, ao mesmo tempo, austero e forte. Suas afirmações são breves e agudas, exatamente o que a ocasião exigia para reformar, corrigir e restaurar. Ainda que o manto da profecia tenha caído sobre ele “em forma de andrajos e remendos”, não obstante suas palavras são as de um coração profundamente comovido por uma situação agitada. O seu propósito completa o que lhe falta em estilo. Mesmo usando um vocabulário limitado, repetindo com freqüência as mesmas fórmulas, Ageu é profundamente sério. Deve-se confessar que ele não carece de força, quando exorta, nem de emoção, quando repreende. “A magnitude profética de um poeta é medida, não pelo esplendor literário do seu estilo, mas pela obra que ele executa”.

The Tweve Minor Prophets”, George L. Robinson
Publicado por George H. Doran Co, New York, 1926
Traduzido por Mary Schultze, março/abril 2004
Citações bíblicas da Bíblia Revisada FIEL de Almeida