sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Naum, o Poeta

I - Nome - Praticamente nada se sabe do profeta, com exceção do seu nome e, mesmo assim, esse nome não é mencionado  em nenhuma outra parte da Bíblia, exceto na genealogia de José, o suposto pai de Jesus (Lucas 3:26). Como muitos outros profetas, Naum é apenas uma voz. Sem dúvida o nome que ele levou tem a sugestiva significação de um “Consolador”.
II - Lugar de Nascimento - Ele é apresentado como “Naum, o elcosita”, frase que, provavelmente, tem como base designar o seu local de nascimento, embora, como sugere o Targum, seja o nome dos seus antepassados.. Compare-se com “Elias, o tesbita” (1 Reis 17:1). A Septuaginta o chama de “Naum, o elquesita”. Quatro conjecturas têm sido feitas a respeito do seu local de nascimento: 1. – Al-Kush, uma vila que fica 38 Km ao norte de Mosul, em frente de Nínive, a qual foi por muito tempo um sítio dos patriarcas nestorianos, onde o seu sepulcro é reverentemente assinalado, tanto por cristãos como por maometanos, e, especialmente,  pelos judeus que ali residem. Se o profeta viveu e profetizou ali, suas descrições gráficas de Nínive seriam mais bem explicadas e seria ele, naturalmente, um membro das Dez Tribos que foram levadas por Tiglate-Pilesser, em 734 a.C. Ewald aceitou essa identificação. Contudo, a tradição que associa Naum com Al-Kush não pode se atrasar além do século 6 a.C. Ain-Japhata, um povoado situado ao sul da Babilônia, desde 1165 d.C., assinalou a Benjamim de Tudela outro sepulcro tradicional de Naum. O Kause, uma pequena vila de Galiléia setentrional (Jerônimo). Ainda Hitzig identificou Cafarnaum com o local de nascimento do profeta, por causa do nome árabe Kefr-Nanhum (A Cidade Naum). Compare-se, contudo, João 7:52. Elkese, “mais para lá de Betogabra”, isto é, Beit Jibrim, fica  32 Km ao sul de Jerusalém, na tribo de Simeão. Também na visão siríaca da obra “A Vida dos Profetas”, datada de 367 d.C., atribuída erroneamente a Epifânio, Bispo de Salamina. Também Cirilo de Alexandria e a Septuaginta. Nove quilômetros a leste de Beit Jibrim, no Waldyes Sulk, existe na atualidade um poço chamado pelos nativos de Bir-el-Kaus. Nestlé favorece essa identificação. De fato esta parece ser a mais provável de todas as identificações sugeridas. Porque às vezes Naum parece falar a partir do ponto de vista de Judá. E como um profeta entusiasta, ele dá a entender as circunstâncias locais (Naum 1:4, 15; 2:1 e 3:17).
III - Seu tempo - A data de Naum é indicada com bastante clareza em Naum 3:8-10, versos que tratam da queda de No-amón, isto é, Tebas, no Alto Egito, conforme já verificado, e de Nínive, como coisa preste a se realizar. A primeira foi capturada por Assurbanipal, em 663 a.C., e a última por Nabopalassar, em 606 a.C.,  ou então, conforme foi recentemente descoberto, em 612 a.C. O período do profeta, portanto, estaria dentro desses limites.
         Assurbanipal era extremamente cruel. Ele até se jactava de sua violência e de suas atrocidades, como arrancar os lábios e os membros dos reis, tendo forçado três governantes de Elam, capturados, a puxar seus carros pelas ruas, compelido um príncipe a levar pendurada ao pescoço a cabeça decapitada do seu rei, e de como ele e sua rainha comiam no jardim com a cabeça de um monarca caldeu, a quem obrigara a suicidar-se, pendurada numa árvore sobre eles. Nenhum outro rei da Assíria se jactava de barbaridades tão desumanas e atrozes. Conta-se que ao rumar para o Egito em uma de suas expedições, vinte e dois reis lhe tributaram homenagem. Ali chegando, tanto em Memfis, capital do Baixo Egito, como em Tebas, capital do Alto Egito, eles foram roubados e cruelmente castigados. O pobre povo de Judá e Jerusalém foi expectador de todas essas barbaridades. Em verdade eles já haviam presenciado, por várias gerações, uma sucessão interminável de invasões assírias à Palestina. Salmanasser II, em 842 a.C.; Tiglate-Pilesser, em 734 a.C.; Salamasser IV e Sargão II, em 724-722 a. C.; Senaqueribe, em 701. Esaardon, em 672, e agora Assurbanipal. E parecia que o pior ainda estava por vir. Parecia que Naum e seus compatriotas em Jerusalém estavam atados e impotentes nas mãos de um inimigo cruel e tirano (Naum 1:15-2:2). Nínive ainda se achava no ápice da glória (Naum 3:16,17). Pelo tom da profecia, podemos deduzir com razão que a destruição de Tebas era um evento relativamente recente e que a queda de Nínive ainda não havia acontecido, embora profeticamente próxima. Por isso a data exata do ministério de Naum provavelmente não foi antes de 650 a.C.
         Se assim foi, na certa o profeta exibiu um ousado vôo de fé, declarando a segura destruição de Nínive, quando a nação ainda não mostrava sinal algum de declínio. Outras datas propostas  para as atividades de Naum, tais como a do reinado de Ezequias, ou Joaquim, ou Zedequias, não estão seguramente atestadas pelos eventos históricos. O esforço de Happel para atribuir Naum a uma Escritura pseudo-epigráfica  da era dos Macabeus é suficientemente refutada pela menção prévia de “Os Doze Profetas” de Jesus ben Sirac, em Eclesiástico 41:10, o qual floresceu em 180 a.C. Porém, seja qual for a data correta do profeta, os anais assírios não deixam dúvida de que por toda a história da nação os assírios sempre foram cruéis, violentos e bárbaros, sempre jactando-se de suas vitórias, regozijando-se de que “já não havia espaço para tantos cadáveres”, de que “fizeram pirâmides de cabeças humanas” e de que “cobriam colunas com as peles de seus rivais”. Foi sobre um povo assim que Naum foi ordenado a pronunciar a destruição inexorável.
IV - Nínive - A cidade ficava no lado oriental do Tigre, em frente à moderna povoação de Mosul. Foi fundada por Ninrode de Babilônia (Gênesis 10:11) e dedicada especialmente à deusa Istar. Era a capital dos reis da Assíria, de 1100 até 880 a.C., e em seguida, novamente, depois que Senaqueribe tornou-se rei, em 705 e seguintes a.C. Era considerada, de fato, como a cidade principal do império.
         Nínive era três vezes fortificada por muros e fossos, fortalezas e torres, tendo seus muros 12 Km de circunferência, sendo tão largos que sobre eles podiam trafegar 3 carros, lado a lado. Era essa Nínive a capital da raça de homens provavelmente mais sensuais, ferozes e diabolicamente atrozes que já existiram no mundo inteiro. Eram grandes sitiadores de homens, gritando continuamente: “sítio, sítio, sítio!” Contudo, Naum declara que esses mesmos sitiadores do mundo seriam no final sitiados (Naum 3:1 e seguintes). As ameaças de Naum foram cumpridas de maneira extraordinária. Esaradon foi o último rei de Nínive. Os medos com os babilônios e outros derrubaram em primeiro lugar todas as fortalezas existentes ao redor da cidade (Naum 3:12) e em seguida sitiaram a cidade. Os ninivitas proclamaram um jejum de cem dias, tentando apaziguar os seus deuses (Ver Jonas 3:15), mas apesar disso, a cidade caiu. Kitesias descreve como a cidade sitiada passou sua última noite em orgias e bebedeira, seguindo  o exemplo do rei efeminado (Naum 1:10; 2:5). Para precipitar a catástrofe, o Tigre transbordou, abrindo brechas nos muros, quando o rei, ao constatar a iminente ruína da cidade, queimou-se vivo dentro do palácio (Naum 3:15-19) e a cidade foi saqueada de todos o seu rico despojo,  em seguida (Naum 2:10-14). Nínive caiu em cerca de 611 a.C. Sua destruição foi completa. Na atualidade nada mais resta da antiga cidade, além das grandes montanhas chamadas Konyunjik e Nebi-Yunis. Tão completa foi em verdade a ruína de Nínive que apenas Xenofontes reconheceu o local da mesma. Alexandre, o Grande, por ali passou “sem saber que um império universal estava sepultado sob os seus pés”. Luciano escreveu: “Nínive pereceu e não ficou um rastro sequer de onde existira antes”. Gibbon narra que logo em 62 D.C., “a cidade e ainda suas ruínas já há muito haviam desaparecido”. O viajante Niehbur, em 1766, por ali passou sem saber. Somente depois que Layard e Botta identificaram o local, em 1842, é que a cidade começou a ser reconhecida pelo mundo moderno.
IV - Conteúdo - As profecias de Naum correspondem naturalmente a três grandes divisões: 1. - Capítulo 1 - Um canto de triunfo sobre a queda iminente de Nínive, um canto sublime. 2. - Capítulo 2 - O juízo que virá: “a guarda dos leões” da cidade será destruída; a defesa é impossível. 3. - a iniqüidade da cidade: sua crueldade e avareza, sua diplomacia desonrada, sura prostituição e sua traição. Por isso, diz o profeta, Nínive há de cair totalmente, sob os aplausos das nações, nada restando para a consolar. O poeta parece regozijar-se muito com essa destruição.
V - Forma poética - Conforme sua estrutura poética o livro pode ser dividido em oito versos de tamanho quase igual.
1. - Capítulo 1:2-6 - Uma descrição de Javé vingador, o qual não deixará impune o crime.
2. - Capítulo 1:7-12 - Para ser fiel ao seu povo, Javé precisa destruir Nínive.
3. -  Capítulo 1:13 a 2:2 - O livramento  prometido a Judá e o juízo prometido a Nínive.
4. - Capítulo 2:3-8 - Uma serie de brilhantes descrições da captura da cidade; fora, os inimigos brandindo gloriosamente suas armas, carros correndo pelas ruas, brilhando como relâmpagos. Contudo, ai, ai, ai, tarde demais! As portas foram abertas e seus guerreiros deram as costas, fugindo às pressas. A rainha foi feita cativa e suas donzelas se lamentavam, batendo no peito.
5. - Capítulos 2:9 a 3:1 - Os habitantes se enchem de grande terror: de “joelhos trêmulos”. A cidade sanguinária, antes cheia, agora é saqueada.
6. - Capítulo 3:2-7 - Novos carros correm contra a cidade condenada. Nada os atrapalha, exceto as montanhas de cadáveres que enchem as ruas da  cidade. A desavergonhada rameira está prostrada e desnuda.
7. - Capítulo 3:8-13 – Assim, No-amón se rendeu; assim também terá de fazê-lo Nínive. Não há como escapar.
8. - Capítulo 3:14-19 -  A resistência será em vão. Como a locusta devoradora, virão os inimigos de Nínive. De fato, seu rei já pereceu e o seu povo se encontra esparso como ovelhas sem pastor. Ao ver a sua queda, as nações se regozijam.
         Quanto à forma poética, o livro de Naum é um dos mais lindos de todo o Velho Testamento. Nenhum outro profeta, exceto Isaías, pode-se dizer que se iguala a Naum em arrojo, ardor e sublimidade. Suas descrições são sumamente vivas e impetuosas. Sua linguagem é forte e brilhante, seu ritmo tem o estrondo do trovão, saltando e brilhando como um relâmpago, quando ele descreve os homens a cavalo e os carros. Por consenso geral, Naum é considerado um dos mestres do estilo hebraico. Sua excelência suprema não é a emoção, mas o poder de descrição, o qual, pelo seu indômito vigor e cor resplandecente, pelo expressivo, pinturesco e dramático de sua fraseologia, jamais foi superado.
VII - Mensagem - O profeta realmente resume a sua mensagem em Naum 1:7-9. Ele é preeminentemente um profeta que tem uma só idéia - a destruição de Nínive. Convencido de que Javé, mesmo sendo tardio e irar-se, não deixará de se vingar dos seus adversários, Naum projeta a luz do governo moral de Deus sobre Nínive, entoando o canto fúnebre do opressor maior do mundo. É o castigo do Senhor, por tanto tempo adiado, mas que é seguro e será completo e final.
         Naum se diferencia notavelmente dos seus predecessores, bem como dos seus contemporâneos - Jeremias e Sofonias - os quais visavam primeiramente a reforma de Israel. Em vez disso, o estribilho ou refrão de sua mensagem é uma certa forma de ardente indignação, a qual quase se assemelha a animosidade e vingança, expressando os sentimentos reprimidos dos seus compatriotas, os quais têm sofrido perseguições durante gerações, sentimentos que agora crepitam como chamas de fogo sobre o inimigo nacional de Israel. É a humanidade ultrajada que desperta e pede vingança. Duas vezes se escuta o refrão que diz: “Eis que eu estou contra ti, diz o SENHOR dos Exércitos, e queimarei na fumaça os teus carros, e a espada devorará os teus leõezinhos, e arrancarei da terra a tua presa, e não se ouvirá mais a voz dos teus mensageiros”  (Naum 2:13 e 3:5).
VIII - O valor de sua mensagem para nós - Três importantes lições ensinadas implicitamente por Naum são de fato permanentes:
1. - A universalidade do governo divino.
2. - Seu caráter de retribuição.
3. - Sua subordinação ao plano da graça.
         Lições como essas jamais podem se tornar antiquadas. Supõe-se que Naum, em primeiro lugar, falava à sua própria geração. Contudo, ele expressou os seus pensamentos de modo a se adaptarem às necessidades e consolo dos homens em todas as eras. Ele mostra que a destruição de Nínive não é um ato de soberania caprichosa, mas uma justa retribuição de suas iniqüidades. Quando interpretamos de maneira escatológica o seu livro, como devemos fazer, este adquire um valor incomparavelmente mais alto em relação ao que agora lhe tem sido geralmente atribuído. Ele não é o produto de um mero ódio nacional, mas um hino, ao mesmo tempo poético e divino, do que inexoravelmente há de se realizar na história. Não é o orgulho de Israel  que tem de defender-se, nem a rendição do seu povo, que vem primeiro, mas a vindicação do seu Deus.  Em outras palavras, a  grande lição do livro é que Deus jamais deixa de castigar a iniqüidade nacional e pessoal. Ele age com as nações do mesmo modo como age com os indivíduos. Como e lê em Tiago 1:15: “Depois, havendo a concupiscência concebido, dá à luz o pecado; e o pecado, sendo consumado, gera a morte”. O gozo de Naum, repetimos, não é meramente a exultação de um patriota irritado  sobre o inimigo vencido, mas antes a expressão alegre de uma sólida fé no Deus de seus pais. Para ele a destruição de Nínive estava subordinada à misericórdia salvadora que Javé precisava mostrar ao seu povo e, por meio deste, ao mundo inteiro.
         Seu oráculo é essencialmente, embora não explicitamente, messiânico, conforme Apocalipse 19:10: “...porque o testemunho de Jesus é o espírito de profecia”. E de Atos 3:24: “Sim, e todos os profetas, desde Samuel, todos quantos depois falaram, também predisseram estes dias”. Quando assim interpretamos o oráculo do profeta, este se torna uma mensagem de consolo, conforme o significado do seu nome. Ele não apontou claramente para o Redentor. O que ele fez foi preparar o seu povo para um tempo em que havia a probabilidade deste ceder ao desespero. Naum viu que o reino das trevas teria de cair, antes que se apresentasse o reino da luz. A destruição de Nínive, portanto, deveria acontecer antes de ser inaugurado o reinado do Príncipe da Paz. Mensagem como esta tem valor para todos os tempos e para tudo que sobreviva ao espírito de Nínive [Sadam Hussein e Bin Laden,  por exemplo]. Mesmo que o livro não esteja em contraste com o caráter gracioso do Novo Testamento, nem seja citado por nenhum dos seus escritores, o Espírito Santo tem ensinado implicitamente que todo poder temporal deve cair, antes que venha o Reino de Deus.
IX - Passagens importantes - Certas passagens são especialmente preciosas e, a menos que as assinalemos e lhes demos ênfase, existe o perigo de que nos passem despercebidas, neste livro que talvez tenha sido pouco lido.
1. - Verso 1:3 – “O SENHOR é tardio em irar-se, mas grande em poder, e ao culpado não tem por inocente; o SENHOR tem o seu caminho na tormenta e na tempestade, e as nuvens são o pó dos seus pés”. Uma sugestão do provérbio italiano: “Deus não costuma remunerar o sábado”.
2. - Verso 1:7 - “O SENHOR é bom, ele serve de fortaleza no dia da angústia, e conhece os que confiam nele”.
3. - Verso 1:15 - “Eis sobre os montes os pés do que traz as boas novas, do que anuncia a paz! Celebra as tuas festas, ó Judá, cumpre os teus votos, porque o ímpio não tornará mais a passar por ti; ele é inteiramente exterminado”. Aqui se lê sobre o arauto da salvação temporal e espiritual. Talvez o original desta passagem seja a forma ampliada de Isaías 52:7: “Quão formosos são, sobre os montes, os pés do que anuncia as boas novas, que faz ouvir a paz, do que anuncia o bem, que faz ouvir a salvação, do que diz a Sião: O teu Deus reina!”
4. - Verso 2:10:  “Vazia, esgotada e devastada está; derrete-se o seu coração, e tremem os joelhos, e em todos os lombos há dor, e os rostos de todos eles enegrecem.”
         Como todos os profetas do Velho Testamento, Naum gosta de usar o jogo de palavras. Mofat procura reproduzir o Hebraico, traduzindo assim: “Esta devastada, desolada e infeliz, desmaiando-lhe o coração e tremendo-lhe os joelhos”.

The Tweve Minor Prophets”, George L. Robinson
Publicado por George H. Doran Co, New York, 1926
Traduzido por Mary Schultze, março/abril 2004
Citações bíblicas da Bíblia Revisada FIEL de Almeida

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