I – A personalidade do profeta -
Nada se sabe a respeito da naturalidade nem da biografia de Joel,
estando sua carreira e personalidade envoltas em obscuridade. Apenas
algumas deduções podem ser feitas com segurança através dos seus
escritos. Idêntico silêncio sobre os agentes espirituais de Deus não é
coisa rara no Velho Testamento, visto como outros têm sido apresentados
dessa maneira fora do comum. Talvez o propósito para isso tenha sido a
glória de Deus e não a dos profetas. Contudo, diz-se que o profeta é
filho de Petuel, supondo-se que este nome signifique “Persuadido por
Deus” (Joel 1:1).
O próprio nome de Joel - em
Hebraico “Yo-el” - significa “Javé é Deus” e por isso, como o nome
“Miquéias”, parece conter uma breve confissão de fé, a qual,
provavelmente, reflete a piedade de seus pais judeus. Esse nome aparece
com freqüência no Velho Testamento, havendo pelo menos uma dúzia de
outros homens com o mesmo nome, como por exemplo, Joel, filho de Samuel e
pai de Hemã, o cantor (1 Samuel 8:2; 1 Crônica 6:33). Joel é também o
nome de um dos valentes de Davi, irmão de Natã (1 Crônicas 11:38).
É provável que o profeta tenha
nascido em Judá, talvez próximo de Jerusalém, visto como fala
familiarmente de “Sião”, dos “filhos de Sião” (Joel 2:1,23), de “Judá e
Jerusalém”. Pelo seu interesse no templo tem-se deduzido também que ele
foi um sacerdote (Joel 1: 13-17). De todos os modos, pelas suas
profecias torna-se muito evidente que não apenas foi um poeta e homem de
oração, como um vidente e profeta no sentido mais amplo. Por ter
pregado com ênfase divina o arrependimento e anunciado (o primeiro a
fazer isso) a vinda do grande e terrível “Dia do Senhor” (Joel 2:11,31),
ele pode até ter pertencido a um dos grêmios da história primitiva
hebraica conhecidos como “os filhos dos profetas”.
II – Esboço e conteúdo - Existem apenas duas divisões principais no Livro de Joel: 1) Caps.
1:23 a 2:17 (37 versos), nos quais o profeta fala, descrevendo mui
graficamente uma praga de gafanhotos, acompanhada de uma seca,
terminando com uma fervorosa exortação ao arrependimento. 2) Joel
2:18 a 3:21, (36 versos), nos quais Javé fala, anunciando em linguagem
solene a condenação final dos inimigos de Israel e terminando com uma
descrição da gloriosa vitória do povo de Deus. A primeira metade do
livro começa com trevas e termina com luz. A segunda metade começa com
juízo e termina em vitória. Realmente apenas um grande pensamento
constitui toda a mensagem do profeta. Poder-se-ia intitular “a parábola dos gafanhotos”
ao que ela nos ensina. Porque o livro de Joel não consiste, como tantos
do Velho Testamento, de notas esparsas de um amplo ministério
profético, o qual se estende por vários anos, mas se ocupa da descrição
de um único incidente com aplicação moral e espiritual.
III - A ocasião - É óbvio que Joel
tomou como seu texto uma praga de gafanhotos comuns, a qual, por algum
tempo, havia causado pânico nacional, descrevendo os seus destroços como
não tendo paralelo na história da terra. Ele diz em Joel 1:4: “O
que ficou da lagarta, o gafanhoto o comeu, e o que ficou do gafanhoto, a
locusta o comeu, e o que ficou da locusta, o pulgão o comeu”.
Desse modo, pelos quatro sinônimos empregados pelo profeta, tudo indica
tratar-se de quatro enxames sucessivos, ou então, como prefere Credner,
quatro divisões distintas do mesmo enxame. Por exemplo, primeiro as
larvas e erugas, depois os gafanhotos que apenas saltam, e finalmente os
grandes gafanhotos já plenamente desenvolvidos, os quais voam.
Em Joel 2:25 todos são
mencionados pela segunda vez, usando-se os mesmos nomes, porém não
exatamente na mesma ordem. Desta última passagem pode-se deduzir que a
praga perdurou por um considerável período de tempo: “E restituir-vos-ei os anos que comeu o gafanhoto, a locusta, e o pulgão e a lagarta, o meu grande exército que enviei contra vós”. (Comparar com Apocalipse 9:3-10).
Aos antigos hebreus o nome
“gafanhoto” parece ter sugerido tudo que significa o termo “harpia”,
isto é, tudo que é funesto (comparar com Deuteronômio 28:38-42). Seu
nome científico é “acridium peregrinum”. As larvas recém
incubadas são completamente negras e se assemelham a grandes formigas
sem asas. Contudo, ao se desenvolverem, despojam-se da pele externa, que
chega a ser-lhes pouca, e passam por três períodos claramente
distintos, isto é: o período sem asas, que os árabes chamam “debby”, a
erupção dos lábios, quando as asas começam a se desenvolver, a qual é
chamada “gowga”, e o gafanhoto que voa com asas bem desenvolvidas,
conhecido como “jared”. Os machos são mais charmosos do que as fêmeas e
têm um corpo amarelo. As fêmeas são maiores e têm uma cor de café forte.
Estas depositam seus ovos no solo, a uma profundidade de 4 polegadas,
por mais duro que seja este. Quando os insetos se desenvolvem
plenamente, chegam a 2,5 polegadas e suas cabeças parecem com as do
cavalo, sendo que os alemães os chamam “Heupferde” (cavalos do feno),
enquanto os italianos os chamam “caballeta” ou “caballitos”. Os árabes
os chamam “djesh Alah” (exército de Deus). Conforme Joel 2:25. Eles de
fato se assemelham a guerreiros voadores, trepam nos muros, penetram nas
casas, e fazem estremecer com o barulho de suas asas (Joel 2:7-10).
Calcula-se que os gafanhotos voem a uma velocidade de 29 km horários.
IV - A praga de gafanhotos de 1915 em Jerusalém - Uma descrição bem viva desta praga foi publicada por John D. Whiting, na revista National Geographic Magazine,
em dezembro de 1915. Disse o Dr. Whiting que a praga começou em
fevereiro daquele ano e se estendeu por toda a Palestina e pela Síria,
desde as fronteiras do Egito até as montanhas do Tauro. Sabe-se que
pragas semelhantes sobrevieram à Palestina nos anos 1845 e 1865 (ano
este lembrado pelos árabes como “Sinet al jared” (o ano dos gafanhotos).
O mesmo acontecera nos anos 1892, 1899 e 1904. Os fenômenos seguintes
acompanharam a invasão de 1915:
Um forte barulho foi ouvido,
antes dos gafanhotos aparecerem, barulho esse produzido pelos milhares
de asas, semelhante a um distante ruído de ondas (Ver Apocalipse 9:9).
De repente o sol escureceu. Uma chuva dos seus excrementos caiu, os
quais se assemelhavam aos dos ratos. Sua elevação na terra era de
centenas de pés. Às vezes eles voavam baixo e outras vezes pousavam
sobre a terra. “Pelo menos em Jerusalém eles vieram invariavelmente
do Noroeste, dirigindo-se para Sudoeste, estabelecendo a exatidão da
narrativa de Joel no capítulo 2:20”, diz o Dr. Whiting. Arrobas
deles foram capturadas e sepultadas vivas e muitas foram atiradas em
cisternas e no Mar Mediterrâneo. E quando as ondas as arrojaram na
praia, as pessoas as apanhavam para secarem ao sol e em seguida as
usavam como combustível nos banhos turcos. Em abril de 1915, o governo
publicou uma ordem no sentido de que todo homem que tivesse entre 16 e
60 anos de idade reunisse diariamente 5 kg de ovos de gafanhotos e os
entregassem aos oficiais.
As cegonhas, que os árabes
chamam de “Abu Saad” (pai da boa sorte), das quais havia grande
quantidade na Palestina em 1915, devoraram avidamente uma enorme
quantidade de gafanhotos, enquanto as galinhas engordaram com esses
petiscos.
O Sr. Aaronsohn, outra
testemunha da praga de 1915, testificou que menos de dois meses depois
do primeiro aparecimento da praga, os gafanhotos não apenas haviam
devorado toda a erva verde, mas ainda todas as árvores, que ficaram
desnudas, sem vida, parecendo esqueletos. Os campos foram devastados até
o chão. Até mesmo os rostos das crianças árabes, deixadas por suas mães
à sombra das árvores, foram dilacerados, antes que as mães pudessem
escutar os seus gritos. Os nativos acreditavam que essa praga havia
acontecido como castigo divino por causa de sua maldade.
Foi, portanto, uma calamidade
assim que Joel descreveu, a fim de conduzir os lavradores, os
viticultores, os sacerdotes e os bêbados ao arrependimento. Na descrição
dos seus estragos as feras e animais inferiores pareciam ter sofrido
também como os homens, tendo ficado em mudo apelo - sendo a terrível
calamidade e seus padecimentos um presságio sobre o terrível “Dia do
Senhor” que há de vir.
V - Interpretação dos gafanhotos -
Uma questão é apresentada: Devemos interpretar literalmente a praga de
gafanhotos de Joel como realmente tendo acontecido no tempo do profeta
ou apenas tratá-la alegoricamente e como um acontecimento futuro,
assinalando metaforicamente as quatro monarquias hostis ao reino de
Deus, conforme o livro de Daniel, isto é, os babilônios, os persas, os
gregos e os romanos? Os rabinos judeus e os Pais da Igreja Primitiva
inclinaram-se a tratar essa profecia como alegórica, explicando, por
exemplo, que o trigo, o mosto e o azeite mencionados em Joel 2:24 se
cumprem na igreja, sendo o trigo representado pelo corpo de Cristo, o mostopelo seu sangue e o azeite pelo
Espírito Santo. Claro que tais interpretações não se justificam. Também
não se justifica a interpretação dos que olham para os gafanhotos de
Joel como realmente gafanhotos, mas não “orthopteras” do deserto, mas
como os guerreiros do Livro de Apocalipse, provenientes da tecnologia do
final dos tempos, os quais encherão a atmosfera no terrível “Dia do
Senhor”. Gabaelein, por exemplo, interpreta os gafanhotos do capítulo 1
como uma cena típica da acontecida na época dos gentios, a partir de
Nabucodonosor (Daniel 2:36). Enquanto as do capítulo 2, ele imagina,
descrevem o que vai acontecer na segunda metade da 70ª. semana de
Daniel, a qual vai preceder a gloriosa vinda do Senhor (Daniel 9:27).
Semelhante precisão cronológica seria maravilhosa, se fosse autorizada. A
teoria de Merx é o reavivamento da antiga interpretação alegórica e
típica. Para Merx o livro de Joel é uma espécie de tipologia
apocalíptica, a qual em hipótese alguma se refere ao tempo do profeta.
Pois não tendo sido pregada oralmente, como ele supõe, jamais teve o
objetivo de ser algo mais que uma obra apocalíptica e escatológica.
Contudo, é bem melhor a
interpretação histórica ou literal, segundo a qual estas profecias, bem
como a maior parte das profecias dos livros proféticos, têm sua origem
nas circunstâncias do tempo do profeta. Evitar o reconhecimento dos
acontecimentos seria fazer da obra de Joel apenas um hábil ensaio, o
“Midrash”, sobre a literatura profética anterior. Quão absurdo seria
pensar que o profeta está se dirigindo a uma reunião imaginária, quando
ele indaga solenemente aos anciãos: “Aconteceu algo assim em vossos dias?” (Joel 1:2) ou quando repreende os sacerdotes dizendo: “Cingi-vos
e lamentai-vos, sacerdotes; gemei, ministros do altar; entrai e passai a
noite vestidos de saco, ministros do meu Deus; porque a oferta de
alimentos, e a libação, foram cortadas da casa de vosso Deus. Santificai
um jejum, convocai uma assembléia solene, congregai os anciãos, e todos
os moradores desta terra, na casa do SENHOR vosso Deus, e clamai ao
SENHOR” (Joel 1:13-14). Ou quando em outra parte ele exorta solenemente o povo: “E
rasgai o vosso coração, e não as vossas vestes, e convertei-vos ao
SENHOR vosso Deus; porque ele é misericordioso, e compassivo, e tardio
em irar-se, e grande em benignidade, e se arrepende do mal. Quem sabe se
não se voltará e se arrependerá, e deixará após si uma bênção, em
oferta de alimentos e libação para o SENHOR vosso Deus? (Joel
2:13-14). É bem mais razoável achar que o profeta falava aqui a
pessoas de verdade (gente que imaginava tirar a má sorte do ar) do que a
uma geração futura e distante.
Além disso, é manifestamente
improvável que o profeta descrevesse um exército de verdadeiros
“soldados”, de “homens de guerra” ou que falasse de homens verdadeiros a
cavalo “como cavalaria” (Joel 2:4-9). Por isso devemos deduzir que ele,
forçosamente, está falando de guerreiros verdadeiros sob a figura de
verdadeiros gafanhotos. A única objeção realmente válida a essa
interpretação é a que se lê em Joel 2:20: “Mas
removerei para longe de vós o exército do norte, e lança-lo-ei em uma
terra seca e deserta; a sua frente para o mar oriental, e a sua
retaguarda para o mar ocidental; e subirá o seu mau cheiro, e subirá a
sua podridão; porque fez grandes coisas”.
Entretanto, como já foi visto, os gafanhotos que visitaram Jerusalém em
1915 vieram daquela direção, conforme o testemunho de outras pessoas
sobre o acontecimento.
VI - A originalidade de Joel – Em João 7:46 diz-se de Jesus: “...Nunca homem algum falou assim como este homem”.
Contudo, Jesus não inventou o alfabeto nem criou o idioma aramaico. O
certo é que existe pouca originalidade neste mundo, apenas que alguém
pode ser o primeiro a dizer uma certa coisa. Pois Joel é exatamente
original neste sentido, possuindo uma individualidade distinta. Elmslie
disse: “Ou era uma original cantoria profética ou um derradeiro conglomerado”.
Seja qual for o desfecho do profeta, todos temos de confessar que tanto
os seus pensamentos como a sua linguagem, mesmo se tomados de
empréstimo, passaram pela sua própria mente e dali saíram levando a
impressão de sua própria individualidade.
Além disso, reconhecemos que muitos
profetas devem ter lido a sua obra, porque ou ele cita quase tudo o que
diz ou então foi citado por Amós, Isaías, Miquéias, Naum, Sofonias,
Abdias, Ezequiel, Malaquias e também por alguns salmistas.
Riuss opina ser improvável que ele
tivesse citado tantos. E, de fato, a impressão geral que se tem ao ler o
Livro de Joel é de lisura e continuidade de pensamentos, em lugar de
uma servil reprodução. Se Joel é anterior, então os seus pensamentos
religiosos podem ser vistos como uma espécie de carta profética, a qual
foi citada por escritores subseqüentes. As seguintes considerações
favorecem a originalidade de Joel:
1. O Dia do Senhor - Joel deve
ter inventado esta expressão, visto como a deixou no ponto em que Amós e
outros profetas posteriores a adotaram. Mesmo que seja uma expressão
escatológica, podendo ter sido criada posteriormente, ela é usada nas
profecias do Velho Testamento, desde os tempos mais remotos (Ver Amós
5:18 e Isaías 2:12). Provavelmente foi Joel quem inventou esse conceito.
Porque o “grande Dia do Juízo” saiu de sua mão tão profética que seria
adotada pelos seus sucessores, os quais apenas puderam acrescentar-lhe
um toque. A visão de uma praga de gafanhotos foi a primeira a ser
sugerida à mente de Joel.
2. A independência literária - Dois exemplos bastam para mostrar a pretensão: a) O pensamento em Joel 3:16: “E
o SENHOR bramará de Sião, e de Jerusalém fará ouvir a sua voz; e os
céus e a terra tremerão, mas o SENHOR será o refúgio do seu povo, e a
fortaleza dos filhos de Israel”. Ele é claramente anterior ao que diz Amós 1:2: “... O SENHOR bramará de Sião, e de Jerusalém fará ouvir a sua voz; os prados dos pastores prantearão, e secar-se-á o cume do Carmelo”.
Porque em Joel se encontra o clímax da revelação, tendo Amós com ele
começado, tomando este como se fora o seu próprio texto. b) Em Joel 3:10 Javé exorta os pagãos: “Forjai espadas das vossas enxadas, e lanças das vossas foices; diga o fraco: Eu sou forte”. Porém em Isaías 2:4 e Miquéias 4:3, foi predito um tempo em que os homens de Judá “... converterão as suas espadas em enxadões [pás] e as suas lanças em foices...”, o que demonstra a precedência de Joel.
3) Derramamento do Espírito -
Joel prediz mais explicitamente do que nenhum outro o derramamento do
Espírito sobre toda a carne (Joel 2:28-29). Essa predição tem lhe valido
o epíteto de “O Profeta do Pentecostes”, mesmo que Joel tivesse apenas
uma vaga idéia da verdadeira significação destas palavras no grande
programa divino. Para ele talvez não significasse outra coisa além de
uma percepção mais clara da verdade por meio de sonhos e visões - um
cumprimento do desejo de Moisés, conforme Números 11:29: “Porém,
Moisés lhe disse: Tens tu ciúmes por mim? Quem dera que todo o povo do
SENHOR fosse profeta, e que o SENHOR pusesse o seu espírito sobre ele!”
Pelo visto Joel não era tão profundamente espiritual, pois não começa
elevando-se às alturas da comparação com Javé, segundo fala Oséias, nem
aos cumes altíssimos da santidade de Javé, conforme Isaías. Ao
contrário, ele une aos dons do Espírito bênçãos materiais, tais como a chuva temporã e a serôdia, o mosto, o azeite, a abundância e a satisfação das necessidades humanas (Joel 2:23-26): “E
vós, filhos de Sião, regozijai-vos e alegrai-vos no SENHOR vosso Deus,
porque ele vos dará em justa medida a chuva temporã; fará descer a chuva
no primeiro mês, a temporã e a serôdia. E as eiras se encherão de
trigo, e os lagares transbordarão de mosto e de azeite. E
restituir-vos-ei os anos que comeu o gafanhoto, a locusta, e o pulgão e a
lagarta, o meu grande exército que enviei contra vós. E comereis
abundantemente e vos fartareis, e louvareis o nome do SENHOR vosso Deus,
que procedeu para convosco maravilhosamente; e o meu povo nunca mais
será envergonhado”. Ele trata
estas coisas como se relacionando umas às outras, quase como causa e
efeito, colocando o material antes do espiritual. Há, portanto, uma
originalidade primitiva nesta fase de suas profecias, o que significa
escrever a palavra “espírito” em letra minúscula, conforme se vê na
edição revisada da BKJ em Inglês. Além disso, a limitada oferta de
salvação no verso 32 demonstra a originalidade primitiva do profeta.
VII - Conclusão - Franz Delitzsch
declarou, confiantemente, há 40 anos, que a grande antiguidade do
profeta Joel é uma “certeza”. Por outro lado, há 20 anos, Cornill
afirmou com a mesma ousadia que “poucos resultados da crítica do
Velho Testamento são estabelecida tão segura e firmemente como a que o
Livro de Joel é datado do século de Esdras e Alexandre, o Grande”.
Calvino foi mais cauteloso, deixando o assunto sem solução. As opiniões
da crítica colocam Joel na geração seguinte aos Macabeus. Porém o
caráter apocalíptico do livro deve aconselhar o estudante a não ser
dogmático demais. Porque ninguém pode adivinhar quando Deus vai
revelar-se no Apocalipse.
Há um fato, sem dúvida, o qual,
mais do que nenhum outro, pode determinar a data do livro, que é a sua
colocação entre os Doze. Tanto no cânon hebraico como na Septuaginta,
Joel está agrupado entre os profetas primitivos que viveram antes do
desterro. Desse modo, no cânon hebraico a ordem é a seguinte: Oséias,
Joel, Amós, Abdias, Jonas, Miquéias, etc., enquanto na Septuaginta é
esta: Oséias, Amós, Miquéias, Joel, Abdias, Jonas, etc. Isso mostra que
os rabinos da antiguidade consideravam Joel como um dos primeiros
profetas. Esse fato cria, portanto, a forte suposição de ter sido ele um
profeta anterior. Também, se o livro fora escrito depois, mais ou menos
no tempo da canonização dos profetas, pareceria estranho que os
encarregados do cânon o tivessem considerado anterior.
A evidência interna, sem dúvida,
merece exame e consideração. E sua preponderância favorece uma origem
anterior, como veremos a seguir:
1. Joel não menciona rei algum, assim como também não o fazem Naum, Miquéias e Habacuque.
2. Ele
não menciona ídolos nem faz alusão ao Reino do Norte de Israel. Ele
pregava para Judá e Jerusalém, onde havia pelo menos um culto nominal a
Javé.
3. Ele não menciona a Assíria, assim como também não o faz Amós.
4. Ele
fala de “anciãos”, como se estes constituíssem a classe governante do
século. Ao contrário do que seriam os “sheiks” em tempos posteriores
(Joel 1:2, 14), estes são apresentados como cidadãos experientes da
comunidade e não como oficiais do estado em Joel 2:16, onde são postos
em conjunto com as crianças e os bebês de peito.
5. O
profeta exibe um grau de devoção aos sacrifícios e ao ritual, porém o
verso 2:13 independe de todo o ritual. De fato, nenhum outro profeta
apresenta a religião hebraica com menos ritual.
6. Não há denúncias proféticas, enquanto os profetas posteriores ao desterro não deixam de repreender os pecados especiais.
7. Os
“gregos” são mencionados como agentes ativos no comércio de escravos em
seus dias (Joel 3:6). Contudo, Amós também se queixa do comércio de
escravos em seu tempo (Amós 1:6-9) e sabemos, pela arqueologia, que os
gregos são mencionados por Sargão II nas taboas de Tel-el-Amarna, no
século 14 a.C.
8. Os filisteus são mencionados (Joel 3:4), enquanto quase não se ouve falar destes após o cativeiro.
9. Edom
e Egito também são mencionados (Joel 3:9). Contudo, sabemos que Edom
havia se rebelado sob o rei Jorão, no século 9 a.C (2 Reis 8:20-22) e
que Sisaque do Egito invadiu Judá no tempo do rei Roboão (1 Reis
14:25-28).
10. Entende-se que Jerusalém fora invadida por estranhos (Joel 3:17), provavelmente por Sisaque, conforme 1 Reis 14:26.
11. O
povo é descrito como espalhado, como opróbrio (Joel 3:2) entre as
nações (Joel 2:19), porém essa linguagem não parece referir-se à queda
de Jerusalém em 586 a.C.
12. Javé
promete reverter o cativeiro de Judá e Jerusalém (Joel 3:1-4), enquanto
Oséias e Amós, quando falam por si mesmos, prometem a mesma esperança a
Israel e na mesma linguagem (Oséias 6:1,11 e Amós 9:14).
13. Joel
fala do “remanescente” [ou sobreviventes] (Joel 2:32), palavra usada
por Isaías 1:9. Além disso, este conceito expresso em sinônimos
distintos é muitíssimo empregado pelos profetas, muito antes do
cativeiro babilônico.
14. Finalmente,
Joel tomou emprestado dos outros, a não ser que os outros dele tenham
tomado emprestado. Calcula-se que 27 frases, clausulas e expressões dos
73 versos do Livro de Joel têm paralelo com outros escritos do Velho
Testamento. Porém Joel 2:2 é claramente citado em Sofonias 1:15: “Aquele
dia será um dia de indignação, dia de tribulação e de angústia, dia de
alvoroço e de assolação, dia de trevas e de escuridão, dia de nuvens e
de densas trevas”, sendo
comum às duas citações as frases “de tribulação e de angústia”, “de
nuvens e de densas trevas”. Em Joel elas são uma parte integrante da
praga de gafanhotos, quando estes se aproximam, enquanto em Sofonias
elas são mais um adorno retórico, reforçando a elaborada descrição do
“Dia do Senhor”.
Pois bem, em sua maior parte
estes dados são indefinidos, quando se trata de grande valor para
decidir a data da ação do profeta, visto com a história de nenhum
período dá uma conta perfeita de todas as referências contidas no livro.
Por isso é preciso que nos escoremos novamente na ordem dos Doze, bem
como no fato de sua tão clara originalidade. Isso para que possamos crer
que Joel floresceu bem cedo na história do reino dividido, talvez nos
últimos anos do século 9 a.C. Pode não haver provas suficientes para
estabelecer isso, porém é muito mais convincente do que o argumento
puramente arbitrário de McFadyen, que diz: “A questão não é somente
acadêmica, pois de sua solução vai depender todo o nosso conceito do
desenrolar da profecia hebraica... É costume negar que os profetas que
viveram antes do cativeiro tenham pronunciado qualquer promessa ou
consolo ao seu povo”. Essa é uma questão que não pode ser facilmente
resolvida. Credner, em 1831, afirmou que o livro de Joel teve sua
origem no cativeiro. Vatke, no mesmo período, foi o primeiro a colocá-lo
depois do cativeiro.
Entrementes, Haupt e Sellers,
seguindo Michaellis (1782) e John (embora crendo que Joel escreveu o seu
livro em 690 a.C, disseram que as profecias de Joel se referem à época
dos Macabeus), as colocam entre 140 e 130 a.C.
VII - O estilo - “O estilo de
Joel apresenta um notável contraste em relação ao estilo monótono - para
não dizer pomposo - de Ageu e dos períodos semi-rabinos de Malaquias”,
diz G. B. Gray. Bewer confirma esse juízo e declara que Joel é
caracterizado pela clareza, fluidez e beleza, adicionando que “como poeta lírico, ele é um dos melhores do Velho Testamento, sendo gráfico, puro e muito efetivo”.
Joel se assemelha a Amós, o qual, mesmo sendo um dos profetas mais
primitivos, foi autor do Hebraico mais puro e clássico da Bíblia. Ewald
considerava a pureza do estilo de Joel como evidência de sua
antiguidade.
A literatura hebraica se
caracteriza por um ritmo conforme é ostentado por Joel. Os destroços dos
gafanhotos são descritos em linguagem poética, num movimento breve e
rítmico muito adequado para descrever a rápida propagação da praga e do
seu irresistível ataque à cidade. Em geral, segundo observa Wunsche, “sua poesia se distingue por uma fantasia magnífica e pela originalidade, beleza e variedade de imagens e semelhanças”.
Em todas essas coisas existem poucos que superam Joel. Até a nossa
perícia no uso do paralelismo (Joel 1:10) e da hipérbole (Joel 2:30-31)
condescende com o que Isaías emprega, num jogo de palavras, a fim de
preparar as suas descrições mais gráficas e mais vivas. (Joel 1:12,15;
3:12).
IX - Ensino religioso - 1). O
ensino fundamental de valor religioso permanente no livro de Joel é o
conceito claro, definido e até mesmo original do “Dia do Senhor”. Esta
expressão aparece cinco vezes no livro (na BKJ, “The day of the Lord”), em Joel 1:15; 2:1, 11, 31;3:14) a fim de significar, conforme bem o expressou Davidson, “o
momento em que Javé toma mais resolutamente as rédeas que parecia ter
soltado, e quando as correntes do Seu governo moral, que antes corriam
ao seu bel prazer, recebem um avivamento misterioso e a obra do Senhor
sobre a terra é feita adequadamente”.
Ou ainda como expressa Gabaelein, significando que “o Dia em que Javé se manifestará como Deus”,
o último dia de Javé; um dia tanto de terror como de bênção; um dia de
vingança e ano dos remidos. O dia em que os princípios eternos da
justiça divina e do dever humano serão demonstrados, o Dia do Juízo Final.
Joel anuncia esse dia a Judá, como Amós o anunciaria mais tarde a
Israel (Amós 1,2; 6:3 e 9:11-15). Este é o ensino principal de Joel. 2). Desta
primeira descrição iriam resultar grandes ensinos, outros de caráter
prático, um dos quais era o arrependimento, prometendo o Senhor que por
meio deste alguns poderiam livrar-se do dia do terror. Obedecendo a Sua
exortação a praga de gafanhotos seria aniquilada e seguir-se-iam bênçãos
materiais e espirituais (Joel 2:18-32).
Essa urgente convocação do
profeta ao arrependimento foi adotada pela Igreja Anglicana para o
primeiro dia da Quaresma. 3). Outro grande ensino do livro é o
derramamento do Espírito sobre toda a carne (Joel 2:28-29). Essa
profecia (Atos 2:16) seria o cumprimento de Números 11:29, a qual foi
cumprida no Dia de Pentecostes, quem sabe, cumprida mas não esgotada. É
uma promessa que havia sido destinada a se cumprir, conforme Pedro
falou, citando a profecia de Joel, naquela ocasião memorável, quando não
escondeu o seu terror. A graça e o juízo sempre caminham lado a lado. A
queda de Jerusalém seguiu-se ao Pentecostes [logo após os setenta anos
de preparação para um evento tão tenebroso]. Todo o pensamento de Joel é
eminentemente escatológico, tendo sido o seu principal objetivo exortar
e consolar o povo do seu tempo. É semelhante à profecia de Jeremias
sobre a aliança nova (Jeremias 31:31-34). Mesmo não havendo predição do
Messias no livro de Joel, sem dúvida alguma o estudo desse livro deve
conduzir-nos a Cristo e ao batismo no Espírito Santo. Assim Joel começa a
abrir o caminho ao reino da graça.
“The Tweve Minor Prophets”, George L. Robinson
Publicado por George H. Doran Co, New York, 1926
Traduzido por Mary Schultze, março/abril 2004
Citações bíblicas da Bíblia Revisada FIEL de Almeida
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